O diagnóstico do analista está em franco desacordo com as
conclusões de seu último livro que alerta contra os perigos das instituições
contramajoritárias
Em entrevista recente, Steven Levitsky afirmou ao UOL que não está certo que
os tribunais irão conter Trump. "É muito difícil prever. As cortes vão
provavelmente frear ou bloquear algumas dessas decisões. Mas nem todas. E outro
aspecto é que as cortes se movem lentamente. Mesmo que nem todas as decisões de
Trump eventualmente sobrevivam, ele pode quebrar o Estado. Além da lentidão das
cortes, outra dúvida é se Trump irá cumprir as decisões das cortes".
Mas esta conclusão está em franco desacordo com o seu diagnóstico em livro
recente com Daniel Ziblatt de que a democracia americana está ameaçada por
instituições contramajoritárias (que analisei aqui). Dentre elas estão o Colégio Eleitoral, uma
Suprema Corte poderosa, o bicameralismo forte, quóruns qualificados no Senado,
e um federalismo muito robusto. Estas instituições permitiriam, alega, que a
elite branca possa manter o status quo ante a perspectiva de ser minoritária no
futuro.
Ora, não é o que se observa: Trump foi
eleito tanto no Colégio Eleitoral quanto no voto popular, e os republicanos são
majoritários nas duas casas do Congresso. E mais, as minorias —latinos e
negros— aumentaram o voto em Trump entre 2016 e 2024.
Passemos então a seu prognóstico de que as instituições não conterão Trump. A
primeira parte do argumento diz respeito na realidade à indiferença da opinião
pública: "A primeira eleição de Donald Trump à Presidência em 2016 desencadeou
uma defesa enérgica da democracia por parte do establishment americano, mas seu
retorno ao cargo foi recebido com uma indiferença marcante. Muitos políticos,
comentaristas, figuras da mídia e líderes empresariais que viam Trump como uma
ameaça agora tratam essas preocupações como exageradas —afinal, a democracia sobreviveu ao seu primeiro mandato".
Na realidade, quanto mais sólidas as democracias mais confiantes os cidadãos
nas suas instituições. Kristian Frederiksen estudou 43 democracias entre 1962
e 2018 e mostrou que quanto maior a experiência com a democracia, maior a
indiferença em relação a ameaças a democracia pelos incumbentes. E Christopher Claasen mostrou que quando um país se
torna mais democrático, paradoxalmente o apoio à democracia na opinião pública
diminui; e que quando aumenta seu componente liberal (contramajoritário) surge
uma contratendência.
Este "efeito termostato" se baseia em pesquisas em
135 países em um período de 20 anos. Em dissertação defendida na UFPE, Alan
Cavalcanti estendeu a análise desses autores e encontrou novas e fortes
evidências de que a experiência democrática pregressa implica maior apoio à
democracia.
Assim, a indiferença já era esperada em uma democracia
longeva. As evidências empíricas sugerem que é mais provável que após a lua de
mel venha uma reação tanto na opinião pública quanto em termos dos efeitos dos
"checks and balances". O primeiro teste são as eleições congressuais
em 2026. O segundo já está em curso: o federalismo e os tribunais —temidos por
Levistky em seu livro por seus efeitos contramajoritários. É questão de tempo.
A pergunta decisiva: e se Trump não acatar decisões dos tribunais? Quem detém a
espada são as Forças Armadas que em mais de dois séculos nunca violaram a
legalidade.
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