Para um observador, o chefe do Executivo está vivendo uma
realidade paralela, perdeu a conexão com a vida de seus eleitores tradicionais
e, também, não consegue estabelecer sintonia com as camadas mais jovens da
população
É inesgotável o repertório de frases do livro de aventuras
infantis Alice no País das Maravilhas, escrito por Lewis Carroll e
publicado pela primeira vez em 1865. O autor cultivou amizade com três filhas
do deão da faculdade onde lecionava, sendo que uma delas, Alice Liddel, durante
um piquenique, em 4 de julho de 1862, pediu que o escritor contasse uma
história. Carroll inventou uma série de peripécias de uma menina de 7 anos
chamada Alice. Como era gago e tinha dificuldades para construir a narrativa
oral, Alice pediu-lhe que escrevesse mais histórias.
Sete meses depois, estava pronta a primeira
versão do manuscrito. Depois de mostrá-lo a um casal amigo, que leu o
manuscrito para os filhos, Carrol se convenceu a publicar o livro, clássico da
literatura infantil universal. Alice no País das Maravilhas descreve
as aventuras de uma menina que, adormecendo num campo, sonha que mergulha numa
toca de coelho. Caindo através das entranhas da terra, chega ao País das
Maravilhas, no qual conhece criaturas estranhas, como o Gato Que Ri, o
Chapeleiro Louco, os dois gêmeos e Suas Majestades Reais, o Rei e a Rainha de
Copas. A obra tem tido várias interpretações, que encantam as crianças e,
também, os adultos.
Caótico, o País das Maravilhas é um reino no qual a Rainha e
o Rei de Copas, por exemplo, têm súditos que são um baralho de cartas, e onde
todos os animais (exceto o porco/bebê) têm as atitudes irritantes, choramingas,
reclamonas. Ilógico e irracional, a mudança repentina de tamanho do país tem um
efeito psicológico em Alice, que o torna ainda mais misterioso pelo absurdo.
O livro começa com a entediada Alice sentada ao lado de sua
irmã, sem nada para fazer, à beira de um riacho, ouvindo-a ler um romance.
Alice é uma garota distraída. Enquanto sua imaginação corre solta, numa
realidade paralela, ela vê um coelho branco, produto de sua imaginação, que
desperta a curiosidade dela dizendo: "Ai, ai ai! Eu vou chegar
atrasado!".
Quando viu o coelho tirar o relógio de bolso de colete,
olhar as horas e apressar o passo, Alice deu um pulo, pois passou pela sua
cabeça que nunca na vida tinha visto um coelho vestindo um colete, muito menos
usando um relógio, e, morta de curiosidade, saiu correndo pelo campo atrás dele
e chegou bem a tempo de vê-lo se enfiar apressadamente dentro de uma toca
enorme. Alice fica em apuros por causa de sua curiosidade. Cai de uma altura de
milhares de quilômetros. Quando ela se defronta com uma nova realidade,
pergunta-se: "Tenho uma vaga lembrança de ter me sentido um pouquinho
diferente, mas se eu não for a mesma, a próxima pergunta é: quem sou eu? Essa é
a questão!".
Falta sintonia
Alice no País das Maravilhas surgiu numa roda de
conversa sobre conjuntura, na qual um dos interlocutores comparou o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva à Alice. Para ele, o chefe do Executivo está vivendo
uma realidade paralela, perdeu a conexão com a vida de seus eleitores tradicionais
e, também, não consegue estabelecer sintonia com as camadas mais jovens da
população, o que explicaria os atuais índices de rejeição e a baixa
popularidade.
Outro interlocutor aproveitou a deixa e resumiu a situação
de Lula, um dos diálogos mais famosos do livro:
"Onde fica a saída?"
Perguntou Alice ao gato que ria.
"Depende", respondeu o gato.
"De quê?", replicou Alice.
"Depende de para onde você quer ir..."
Essa é a exata situação em que o governo Lula se encontra.
Desde as eleições, a agenda do governo é uma reforma ministerial supostamente
com dois objetivos: melhorar o desempenho das políticas públicas e consolidar
um bloco de sustentação no Congresso que lhe garanta a chegada às eleições de
2026, sem passar por uma crise institucional. Entretanto, os aliados não sabem
para onde Lula pretende ir. Se busca ampliar o governo em direção à conciliação
com o centro ou pretende apostar na radicalização e polarização política com
Bolsonaro, que são coisas excludentes.
O episódio da demissão da ministra da Saúde é bem
emblemático. Ontem, Lula se reuniu com Nísia Trindade. Na sequência, recebeu
Alexandre Padilha. O encontro com Nísia aconteceu horas depois de os dois terem
participado de um evento no Palácio do Planalto para anunciar o acordo para
produção de vacinas contra a dengue, no qual Nísia fez um discurso de 30
minutos e foi muito aplaudida. Lula não disse uma palavra.
Fritada pelo Palácio do Planalto, a situação da ministra se
tornou insustentável. Sua substituição pelo ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, porém, não significa a ampliação da base de
sustentação do governo no Congresso. Com um orçamento de R$ 229,39 bilhões, a
pasta está sendo tratada como uma plataforma eleitoral.
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