Há pouquíssimos elementos mostrando a intenção golpista
da própria organização dos protestos
O 8 de Janeiro não é apenas o evento da trama golpista cuja
interpretação mais divide a opinião pública, com apoiadores do presidente
Bolsonaro considerando-o meramente um protesto que saiu do controle, enquanto
críticos o veem como tentativa frustrada de golpe de Estado. Os eventos do 8 de
Janeiro também são elemento fundamental da denúncia apresentada pela
Procuradoria-Geral da República (PGR),
aparecendo como momento final de uma série de ações progressivas e coordenadas
com o objetivo de desestabilizar o Estado Democrático de Direito e depor o
governo legitimamente eleito.
Se a intenção golpista da manifestação do 8
de Janeiro não estiver bem caracterizada, toda a denúncia da PGR perde parte da
sua sustentação. Fica mais difícil atribuir aos réus a responsabilidade por
atos concretos de tentativa de golpe. É por todos esses motivos, políticos e
jurídicos, que chama a atenção a fragilidade da denúncia sobre o 8 de Janeiro.
Na denúncia, a caracterização golpista do 8 de Janeiro é um
tanto débil. Há três séries de evidências principais.
A primeira diz respeito a indícios mostrando que os
conspiradores acreditavam que gerar caos e instabilidade social poderia forçar
o presidente a assinar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem ou a decretar
um estado de sítio que se desdobraria em intervenção dos militares — essa seria
a racionalidade ligando o vandalismo ao projeto de um golpe de Estado. A ideia
aparece com clareza no plano Copa 2022, que não está diretamente associado ao 8
de Janeiro. A denúncia, no entanto, apresenta todos os diferentes planos
golpistas como se fossem etapas de um planejamento sucessivo e coordenado,
passando pelos planos Copa 2022 e Punhal Verde e Amarelo, pelas minutas
discutidas com os chefes das Forças Armadas e desaguando na manifestação do 8
de Janeiro. A articulação em fases ou momentos, no entanto, não está
documentada. É apenas sugerida.
Outra linha de argumentação aponta para a omissão das forças
policiais, que não apenas deixaram de atuar para coibir os protestos, como
parecem ter auxiliado os manifestantes a chegar às sedes dos três Poderes. A
omissão e o apoio tácito estão bem documentados.
Por fim, estranhamente, há pouquíssimos elementos mostrando
a intenção golpista da própria organização dos protestos do 8 de Janeiro. O
elemento mais forte é um relatório de inteligência da Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal, citado apenas como nota de rodapé, ressaltando que
a convocação é descrita como “tomada de poder pelo povo”, com o objetivo de
“sitiar Brasília”, que era planejada uma greve geral para o dia seguinte à
manifestação (9 de janeiro) e que havia convocação para o bloqueio de
refinarias de petróleo.
Para nenhum desses elementos, que mostram o caráter
orquestrado e a intenção golpista do 8 de Janeiro, são apresentadas evidências,
além desse relatório. Não vemos nenhum balanço das convocações, como as
que apareceram
em grupos de WhatsApp recomendando que “jamais iniciem a invasão sem
haver uma multidão que tome todos os 3 poderes ao mesmo tempo, ou seja, só
iniciem a invasão aos 3 poderes quando houver patriotas o suficiente pra
invadir tudo!”.
Não vemos, no relatório da PF nem na denúncia, o que
operações, como a Lesa Pátria, descobriram sobre quem organizou e financiou os
ônibus e quem postou as convocações. O que se descobriu sobre sua identidade e
sobre o planejamento? O que se descobriu nos celulares desses organizadores?
Não vemos também nesses documentos o balanço dos protestos que tentaram
bloquear refinarias, como a de São José dos Campos, na véspera do 8 de Janeiro.
Também não vemos qualquer menção ao relatório da Aneel sobre
os 16 atos de sabotagem que derrubaram ou tentaram derrubar torres de energia
em Rondônia, Paraná e São Paulo.
Os bolsonaristas querem apresentar o 8 de Janeiro como
protesto espontâneo de pais e mães de família ou idosos que saiu do controle,
seja porque alguns passaram dos limites, seja porque a polícia foi omissa de
propósito para prejudicá-los, seja porque infiltrados de esquerda promoveram a
quebradeira. Há muitas evidências desmentindo essa fantasia perigosa.
Os protestos não foram espontâneos, mas muito bem planejados
e financiados, e a quebradeira não foi um excesso, mas um planejamento
explícito na própria convocação. Além disso, o protesto estava coordenado com
cortes de rodovias, bloqueios de refinarias de petróleo, derrubadas de torres
de transmissão de energia e convocação de greve geral. Não se trata de
acampados protestando espontaneamente, mas de um plano ambicioso, coordenado
nacionalmente.
Sabemos disso tudo pela imprensa, não pela denúncia da PGR.
Talvez a PGR e a PF tenham motivos de estratégia jurídica para a omissão. Não
sei dizer. De todo modo, este julgamento é duplo. Acontecerá na Primeira Turma
do STF, mas também na opinião pública. E, enquanto no STF a condenação é certa,
na opinião pública a coisa não está muito bem definida.
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