Não está fácil pensar em 2028 quando vivemos apenas um
mísero mês dos quatro anos da governança Donald Trump/Elon Musk
Braço e mão nunca ficam muito tempo esticados em diagonal, à
frente do peito — apenas o suficiente para o gesto ser fotografado e tachado de
saudação nazista. Foi assim com Elon Musk na semana retrasada. Foi assim com
Steve Bannon na semana passada. O gesto nada tem de casual ou impensado. É
provocação calculada, testando o terreno. Aos poucos, poderá fazer parte da
coreografia trumpista, somando-se ao inocente uso do boné Make America Great
Again (Maga), sinalizando um porvir radioso. A linguagem, por enquanto, ainda é
subliminar. Ou melhor, nem tanto:
— Vocês estão preparados para lutar por este país? —
perguntou Bannon à plateia que lotava o Centro de Convenções National Harbor
para os três dias da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC).
Orador carismático, o formulador de uma ordem global
extremista prossegue, sob roncos de aprovação:
— Os dias mais difíceis e duros estão por vir, mas sabem o
quê? Riad, Berlim,
Pequim, Moscou, Londres estão
todos aqui [referia-se à presença de delegados dessas cidades]. Isto aqui é
invencível! Só perderemos se desistirmos, só seremos derrotados se nos
rendermos. E só não venceremos se recuarmos. Mas não o faremos! Lutem, lutem,
lutem! — concluiu com o braço direito em riste.
A edição 2025 da CPAC, cujo ponto alto
estava previsto para ontem com a participação do presidente Donald Trump,
pode ser vista como ponto de inflexão alarmante. Fundada 51 anos atrás para o
debate de ideias conservadoras sem vínculo partidário, a entidade hoje
radicalizada exibe sinais de vitalidade transcontinental. Veteranos
preeminentes da extrema direita europeia, como a italiana Giorgia
Meloni, o eslovaco Robert Fico e o britânico Nigel Farage, se sucederam no
palco para anunciar que o curso da História ventava a seu favor. O húngaro
András László, apesar de estreante no evento, apresentou credenciais de
impacto. Ele preside a Patriotas pela Europa, terceira maior bancada de
deputados do Parlamento Europeu, com 86 integrantes de 13 países.
Confirmando o ditado segundo o qual “a proximidade do poder,
e a percepção de proximidade do poder, é poder”, a América do Sul se fez
presente com o presidente argentino, Javier Milei,
munido de uma reluzente motosserra que presenteou a Elon Musk. Foi ovacionado.
Representando o Brasil, estava o frequentador assíduo de
CPACs, deputado federal Eduardo
Bolsonaro. O pai não pôde comparecer pois seu passaporte foi cassado e ele
foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por cinco crimes:
organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado
Democrático, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameça
contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Aos
participantes da CPAC, o filho qualificou a denúncia, passível de 12 a 43 anos
de prisão, como risível “golpe de Estado Disneyland”. Discursando em inglês com
teleprompter, preferiu alongar-se em acusações contra o ministro do Supremo
Tribunal Federal Alexandre
de Moraes e o Brasil de hoje, “onde tiranos emitem ordens e suprimem a
oposição abertamente”.
À margem da conferência, foi durante uma recepção na Casa
Branca com personalidades negras que Trump lançou um balão bem ensaiado. De
leve e como quem não quer nada, perguntou aos convidados o que achariam da
hipótese de ele servir num terceiro mandato como presidente dos Estados Unidos.
Segundo relato do Washington Post, ouviu-se um animado coro de “four more
years”(mais quatro anos). Naturalmente, todos os presentes, e qualquer cidadão
americano, sabem que a 22ª Emenda Constitucional limita o exercício da
presidência a dois mandatos. Horas mais tarde, no Centro de Convenções da CPAC,
o mesmo Steve Bannon levou a audiência a entoar “Queremos Trump em 2028”, como
se não houvesse amanhã nem leis. O próprio presidente atravessou a semana
surfando alto no seu já elevadissimo devaneio de imunidade.
— Aquele que salva seu país não viola qualquer lei —
escreveu numa postagem no Truth Social, ecoando uma citação atribuída a
Napoleão.
Dependendo de quem será implodido no atual mandato do
presidente — se o próprio Trump ou as instituições democráticas do país —, a
sedução de um terceiro mandato inconstitucional não sumirá motu proprio. Sempre
haverá causídicos interessados em argumentar que a 22ª Emenda proíbe apenas
dois mandatos consecutivos, o que não é fato.
Não está fácil pensar em 2028 quando vivemos apenas um
mísero mês dos quatro anos da governança Donald Trump/Elon Musk. Nesse piscar
de tempo, o mundo já mudou de eixo. Não percebe o precipício quem não quer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário