Ideia delirante de tomar conta da região, removendo 2 milhões de palestinos, ameaça elevar tensão no Oriente Médio
Se já havia tumultuado o mundo com as propostas bravateiras de anexar o Canadá, comprar a Groenlândia e retomar o canal do Panamá, Donald Trump se superou agora em vileza ao sugerir que os Estados Unidos irão tomar posse de Gaza para transformá-la numa "Riviera do Oriente Médio".
A ideia é tão delirante que chega a ser difícil até organizar uma lista dos problemas que ela acarretaria. O mais óbvio e grave deles é que seria necessário deslocar cerca de 2 milhões de palestinos que vivem na área.
E, expressando o que até a extrema direita israelense evita pronunciar, Trump disse que esses palestinos deveriam ser levados para a Jordânia e o Egito para lá ficarem em caráter permanente. Se realizada, a transferência configuraria caso de limpeza étnica.
A Casa Branca não delegaria a tarefa a Israel —a executaria diretamente. "Os EUA tomarão conta da Faixa de Gaza, nós faremos um trabalho com ela. Nós a possuiremos e seremos responsáveis por desmantelar todas as bombas perigosas não detonadas e outras armas no local", declarou Trump após encontro com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, que ouvia sorridente.
Obviamente, não existe base jurídica para dar nem mesmo semelhança de legalidade a tal empreitada. O envolvimento direto e com tropas dos EUA no conflito israelo-palestino também contraria décadas de política externa de vários presidentes, incluindo o próprio Trump.
O republicano não descartou explicitamente a criação de um Estado palestino, mas alguém disposto a apoiar esse Estado não se apressaria a privá-lo de parte importante das terras que ele ocuparia. Não existe solução estável para a região que não passe pela medida, prevista desde a partilha do território determinada pela ONU em 1947.
A sequência de declarações de Trump na terça (4) faz parecer que ele elaborou a ideia no mesmo dia, sem consultar membros do governo ou especialistas.
Nessa hipótese, o nível de improviso e leviandade é incompatível com a diplomacia da maior potência econômica e militar do planeta. Seria, entretanto, típico do populista, que vê a geopolítica como uma negociação de bazar —em que as partes começam com posições grotescamente exageradas para depois chegar a um ponto intermediário que possa ser descrito como vitória por ambos os lados.
Está-se tratando, porém, de algo muito mais complexo e sutil. Se, no caso da Groenlândia, Trump pode dizer disparates sem o perigo de criar dificuldades em campo, no Oriente Médio a situação é sempre mais volátil.
Declarações impensadas podem ter consequências desastrosas. O frágil cessar-fogo em Gaza pode estar sob risco; lideranças árabes moderadas tendem a se distanciar da Casa Branca; o Irã talvez se sinta mais compelido a buscar sua bomba nuclear. Trump foi longe demais, até para seus infames padrões.
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