quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

JUROS PODE SUBIR MENOS, E EQUIPE VOLTA A FALAR EM AJUSTE FISCAL

Editorial Valor Econômico

A volta de preocupações com contas públicas no discurso oficial é um bom sinal, que precisará ser acompanhado de atos que só seriam benéficos para o país

Vistas a princípio como preocupantemente acomodativas, as explicações do Copom para sua decisão de não sinalizar mais aumentos de juros em maio tornaram-se claras na ata divulgada na terça-feira: o cenário para a inflação, claramente adverso, é cheio de obstáculos para o cumprimento da meta, sem atenuantes no momento. A economia brasileira carrega o impacto de uma dose extrema de juros que, no entanto, pode não ser atenuada a curto prazo. A pesquisa pré-Copom indicou que a grande maioria de analistas e consultores (81%) acha que o ritmo de aperto monetário arrefecerá para menos de 1 ponto percentual em maio, e só 19% vislumbram alta superior (Valor, ontem). Ainda que as expectativas para o IPCA estejam mais desancoradas que antes, o ciclo de alta de juros pode estar mais perto de uma pausa, ou mesmo do fim.

Agora sob o comando de Gabriel Galípolo, o BC manteve o balanço de riscos inclinado mais para uma alta que para a baixa do nível de preços e apontou que ainda é muito cedo para que um dos fatores de amortecimento da inflação mais esperado venha a se materializar - uma desaceleração da economia mais forte que a esperada. Segundo a ata, “não há evidência, mesmo incipiente, de uma desaceleração abrupta”. Há sinais tênues de alguma moderação no crescimento, mas os dados que a sugerem não permitem conclusões definitivas, são pontuais e sujeitos a diferentes interpretações. Além disso, o passado recente frustrou várias vezes as previsões de economistas e do BC de que a economia iria se retrair. Ocorreu o contrário: o PIB cresceu mais que o esperado.

Por outro lado, há abundância de elementos que mostram que a economia está crescendo acima de seu potencial, o que até agora afastou a inflação cada vez mais longe da meta de 3%. O BC ressaltou que o IPCA seguirá acima do teto da meta (4,5%) por seis meses, descumprindo o novo sistema de metas, que estabelece que nem o teto nem o piso (1,5%) podem ser ultrapassados por 6 meses consecutivos. Isso deverá ocorrer por mais tempo. O relatório de inflação de dezembro projetou que o IPCA só recuará a 4,5% no último trimestre do ano, e a situação piorou no front inflacionário depois que o documento foi divulgado. No cenário de referência do BC, a inflação atinge 5,2% em 2025 e ainda se mantém distante do alvo, em 4%, no terceiro trimestre de 2026, o horizonte relevante para a política monetária.

Há fatores que preocupam muito a curto prazo. A disparada do dólar elevou os preços das commodities em reais, especialmente os das carnes, que puxaram a inflação dos alimentos, uma influência preponderante no IPCA - e no ambiente político -, mas se aplacou momentaneamente. O Copom, no entanto, não tem certeza sobre a direção do câmbio no futuro. “Ainda que parte dos riscos tenha se materializado, o Comitê julgou que eles seguem presentes prospectivamente”.

O cenário externo se tornou mais sombrio, o que se deve basicamente às incertezas sobre o crescimento e o comportamento da inflação agravadas pelas políticas de Donald Trump (tema não mencionado no documento). Ainda que siga sendo considerado “desafiador”, o Copom acha agora que “cenários mais extremos, com distintos impactos sobre a inflação nas economias emergentes, têm maior probabilidade de se materializarem”.

Completam o quadro a desancoragem maior da inflação, o “ritmo bastante intenso” da demanda interna e o desempenho “pujante” da oferta de crédito. O mercado de trabalho tem se mostrado robusto e a política fiscal continua expansionista, em desarmonia indesejável com a política monetária, o que impactou de forma “relevante” a expectativa dos agentes econômicos sobre a sustentabilidade da dívida e dos preços dos ativos. O Copom reiterou que isso eleva a taxa de juros neutra da economia e aumenta os custos da desinflação em termos de impacto nas atividades produtivas.

A colaboração imprescindível do controle fiscal para o controle da inflação até agora não veio, mas pode entrar em cena, por motivos eleitorais. Depois de o presidente Lula declarar que 2026 já chegou e as pesquisas mostrarem que mais gente desaprova que aprova o governo, com perda de popularidade do presidente até no Nordeste, a equipe econômica voltou a falar em equilíbrio fiscal. “Vamos ser contracionistas”, disse na terça-feira ao Valor o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, para que a inflação convirja o mais rapidamente para as metas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu os mesmos sinais, levantando as expectativas de que o governo fará contingenciamentos e bloqueios relevantes no orçamento logo no início do exercício fiscal.

O obstáculo ao acerto fiscal tem vindo do Planalto. O presidente Lula disse ontem que leva “inflação muito a sério”, mas não mencionou os gastos do governo, poucos dias após a reunião ministerial em que afirmou não pretender tomar novas medidas fiscais. O calendário eleitoral torna-se bem pior para o governo com a economia em retração e a inflação alta. Ajudar o BC a combater a inflação serve aos propósitos da reeleição de Lula. A volta de preocupações com contas públicas no discurso oficial é um bom sinal, que precisará ser acompanhado de atos que só seriam benéficos para o país.

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