quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

SUPREMO DEVERIA SUSPENDER RESTRIÇÃO À POLÍCIA EM FAVELAS

Editorial O Globo

Existem instrumentos eficazes para reduzir letalidade sem que policiais sejam impedidos de cumprir seu papel

Não é de hoje que o Rio de Janeiro enfrenta crise gravíssima na segurança pública. Diariamente a população fluminense é obrigada a conviver com guerras entre quadrilhas, tiroteios, balas perdidas, arrastões ou fechamento de vias. Não há solução para o problema que não seja o combate sem trégua às organizações criminosas dominantes em comunidades da Região Metropolitana. E não há como combatê-las sem que a polícia possa fazer seu trabalho. Impedi-la de agir significa piorar a situação.

Por isso o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria alterar seu entendimento na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a ADPF das Favelas, cujo julgamento começou ontem. A decisão, tomada em 2020, restringiu operações policiais em comunidades fluminenses. Embora bem-intencionada por tentar reduzir a letalidade policial, criou outro problema: ao impor limites às operações, engessou o trabalho da polícia. O relator, ministro Edson Fachin, defendeu as restrições: “Dados concretos refutam a tese de que a brutalidade do Estado possa produzir resultados efetivos para a segurança pública”.

Mas autoridades afirmam que elas afetam a segurança. O governador Cláudio Castro (PL) diz que o estado sofre “efeitos colaterais gravíssimos”. Para ele, a excepcionalidade exigida para operações precisa ser revista. “Você tira do povo, da comunidade, o direito de ter uma polícia ostensiva”, afirma. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), argumenta que o domínio de vastas áreas por traficantes e milicianos prejudica o ordenamento urbano. “Não defendo que a polícia não cumpra legalidades, mas a ADPF virou um elemento de constrangimento”, diz.

Embora seja difícil avaliar, as autoridades de segurança afirmam que a ADPF das Favelas ampliou o território dominado pelo crime. Os fatos sugerem que têm razão. Mesmo quando cumpre restrições e realiza operações, a polícia enfrenta dificuldades. Criminosos queimam veículos e erguem barreiras, obrigando policiais a usar retroescavadeiras e atrasando as incursões. Entre junho de 2019 e maio de 2024, houve 7.856 queixas de barricadas no Rio. Não é aceitável que bandidos se julguem donos do espaço público a ponto de decidir quem pode entrar.

Evidentemente, a letalidade policial é preocupação fundamental, mas o Rio conseguiu reduzi-la de 1.814 mortes em 2019 para 699 em 2024, ou 61%. Existem instrumentos eficazes para melhorar esses índices sem que a polícia seja impedida de agir. Um deles, como defende o Ministério Público e determinou o próprio STF, são as câmeras corporais, de uso obrigatório no estado. De acordo com estudos, elas contribuem para reduzir a letalidade, protegendo tanto cidadãos quanto policiais. Precisam ser usadas durante todas as operações. Se houver abusos, devem ser investigados e punidos.

Medidas consideradas aceitáveis no momento em que são tomadas precisam ser revistas à luz de novos contextos. É o caso da ADPF das Favelas. Não há dúvida de que operações precisam ser bem planejadas, com melhor uso de inteligência, tecnologia e cooperação entre forças de segurança. Mas é fundamental enfrentar o crime organizado em seus domínios, prendendo bandidos e apreendendo seus arsenais. Alarmados com a violência, os cidadãos fazem bem em cobrar ações do Estado. A polícia precisa ter autonomia para cumprir seu papel.

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