Existem instrumentos eficazes para reduzir letalidade sem
que policiais sejam impedidos de cumprir seu papel
Não é de hoje que o Rio de Janeiro enfrenta crise gravíssima
na segurança pública. Diariamente a população fluminense é obrigada a conviver
com guerras entre quadrilhas, tiroteios, balas perdidas, arrastões ou
fechamento de vias. Não há solução para o problema que não seja o combate sem
trégua às organizações criminosas dominantes em comunidades da Região
Metropolitana. E não há como combatê-las sem que a polícia possa fazer seu
trabalho. Impedi-la de agir significa piorar a situação.
Por isso o Supremo Tribunal Federal (STF)
deveria alterar seu entendimento na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 635, a ADPF das Favelas, cujo julgamento começou ontem. A
decisão, tomada em 2020, restringiu operações policiais em comunidades
fluminenses. Embora bem-intencionada por tentar reduzir a letalidade policial,
criou outro problema: ao impor limites às operações, engessou o trabalho da
polícia. O relator, ministro Edson
Fachin, defendeu as restrições: “Dados concretos refutam a tese de que a
brutalidade do Estado possa produzir resultados efetivos para a segurança
pública”.
Mas autoridades afirmam que elas afetam a segurança. O
governador Cláudio Castro (PL) diz que o estado sofre “efeitos colaterais
gravíssimos”. Para ele, a excepcionalidade exigida para operações precisa ser
revista. “Você tira do povo, da comunidade, o direito de ter uma polícia
ostensiva”, afirma. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), argumenta que o
domínio de vastas áreas por traficantes e milicianos prejudica o ordenamento
urbano. “Não defendo que a polícia não cumpra legalidades, mas a ADPF virou um
elemento de constrangimento”, diz.
Embora seja difícil avaliar, as autoridades de segurança
afirmam que a ADPF das Favelas ampliou o território dominado pelo crime. Os
fatos sugerem que têm razão. Mesmo quando cumpre restrições e realiza
operações, a polícia enfrenta dificuldades. Criminosos queimam veículos e
erguem barreiras, obrigando policiais a usar retroescavadeiras e atrasando as
incursões. Entre junho de 2019 e maio de 2024, houve 7.856 queixas de
barricadas no Rio. Não é aceitável que bandidos se julguem donos do espaço
público a ponto de decidir quem pode entrar.
Evidentemente, a letalidade policial é preocupação
fundamental, mas o Rio conseguiu reduzi-la de 1.814 mortes em 2019 para 699 em
2024, ou 61%. Existem instrumentos eficazes para melhorar esses índices sem que
a polícia seja impedida de agir. Um deles, como defende o Ministério Público e
determinou o próprio STF, são as câmeras corporais, de uso obrigatório no
estado. De acordo com estudos, elas contribuem para reduzir a letalidade,
protegendo tanto cidadãos quanto policiais. Precisam ser usadas durante todas
as operações. Se houver abusos, devem ser investigados e punidos.
Medidas consideradas aceitáveis no momento em que são
tomadas precisam ser revistas à luz de novos contextos. É o caso da ADPF das
Favelas. Não há dúvida de que operações precisam ser bem planejadas, com melhor
uso de inteligência, tecnologia e cooperação entre forças de segurança. Mas é
fundamental enfrentar o crime organizado em seus domínios, prendendo bandidos e
apreendendo seus arsenais. Alarmados com a violência,
os cidadãos fazem bem em cobrar ações do Estado. A polícia precisa ter
autonomia para cumprir seu papel.
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