A baixa produtividade não se resolve simplesmente
ampliando o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura
familiar
A baixa produtividade não se resolve simplesmente ampliando
o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura familiar
"Nesta terra, em se plantando, tudo dá" é uma frase atribuída a Pero
Vaz de Caminha, em carta ao rei Dom Manuel de Portugal, em 1500. Sendo ou não
folclore, o fato é que ela ecoa na mente de muitos.
Não é bem assim. O café e a cana-de-açúcar se adaptaram na
Terra Brasilis. Porém, com menos investimentos, o Brasil passou a sofrer com a
concorrência da cana-de-açúcar das Antilhas, no século 17. Já o ciclo do café
começou a declinar no final do século 19, em parte por conta da exaustão do
solo no Vale do Paraíba.
O cultivo de soja, por sua vez, foi fruto
de muito trabalho. Em 1960, sua produção era modesta e concentrava-se no Rio
Grande do Sul. A Embrapa teve papel decisivo para o cultivo da soja no cerrado.
Isso em várias frentes, com a oferta de cultivares adaptados à região e novas
técnicas de manejo e produção, bem como o desenvolvimento de sistemas de
preparo de solo.
Nada caiu do céu. E não continua caindo. Os ganhos de
produtividade muito superiores aos dos principais concorrentes decorrem de
muito investimento e inovação.
O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor de alimentos e
o maior exportador líquido de alimentos do mundo. O País lidera as exportações
mundiais de soja, açúcar, suco de laranja, café, carne bovina e frango, entre
outros produtos.
A posição do País não tem se traduzido, porém, em alimento
barato para os lares brasileiros. Os preços de alimentos acumulam elevação de
485% desde janeiro de 2000, ante 329% dos demais itens da cesta do consumidor.
Alguns itens essenciais têm altas ainda maiores: arroz (535%), feijão (500%),
batata (780%), tomate (840%), cebola (864%), alface (988%), banana-prata
(779%), laranja-pera (1.600%), café moído (613%), ovo de galinha (683%) e
carnes mais consumidas (755%).
Se de um lado a grande propriedade rural exportadora exibe
elevados ganhos de produtividade, o retrato é muito diferente para boa parte da
agricultura familiar – representa 77% do total de propriedades rurais e ocupa
23% do total da área dedicada a atividades agropecuárias, segundo o Censo
Agropecuário de 2017.
E apesar de responder por apenas 23% da produção
agropecuária, seu peso é grande na oferta interna de muitos produtos, como
leite, hortifrutis e café.
A baixa escala de produção, que dificulta a adoção de
insumos e técnicas mais modernas, é fator de atenção, em muitos casos. Mas não
é só isso.
O problema da baixa produtividade começa no mais básico: no
reduzido uso de técnicas consolidadas de produção, com manejo inadequado em
todo o ciclo produtivo, desde a preparação do solo. Alguns especialistas
apontam que esta primeira etapa, de ajuste de acidez do solo, é ignorada por
boa parcela dos produtores.
O mesmo Censo apontou que apenas 31,3% dos estabelecimentos
agropecuários com lavouras temporárias utilizam a prática de rotação de
cultura; 23,1%, a prática de descanso de solos; e 42,3% realizam adubação. Os
indicadores da agricultura familiar são ainda menores. Se no uso de técnicas
tradicionais consolidadas há tanto atraso, o que dizer de utilização de
melhoramentos genéticos já consolidados há décadas?
O mesmo Censo apontou que 15% dos proprietários rurais são
analfabetos e 37%, sabem ler e escrever, mas não têm instrução. A falta de
capital humano é também grande empecilho para o aumento da produtividade.
Quanto ao acesso à Assistência Técnica e Extensão Rural
(Ater), apenas 20,2% a recebe, sendo apenas 7,6% provenientes do governo (nas 3
esferas). Considerando as propriedades com até 10 hectares, apenas 12,6%
recebem esse serviço.
Baixa produtividade implica oferta insuficiente de alimentos e preços elevados. A contrapartida é a elevada demanda reprimida para alimentos – sem contar a baixa qualidade dos alimentos consumidos. Isso ficou claro na pandemia, quando houve forte aumento do consumo de alimentos, em meio às políticas de transferência de renda e o menor gasto com outros bens e serviços pelas camadas populares.
A baixa produtividade não se resolve simplesmente ampliando o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura familiar. Cabe priorizar políticas públicas para treinamento, orientação e formação de capital humano, inclusive para permitir um melhor uso dos recursos públicos.
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