Possivelmente, seria melhor construir mais cisternas no
semiárido nordestino e deixar os carros-pipa para atendimentos complementares
Às vésperas do Carnaval, na última quinta-feira, o
Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDIR) anunciou a liberação
de recursos para a Operação Carro-Pipa. A paralisação do programa, por falta de
pagamento aos “pipeiros”, ameaçava o abastecimento de famílias e dava
combustível à oposição num dos principais redutos do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva: o sertão nordestino.
Com o Orçamento de 2025 ainda em análise no Congresso
Nacional, os recursos disponíveis para a pasta foram insuficientes para manter
os pagamentos em dia, informou o MIDR em nota.
A expectativa da pasta é que o orçamento seja aprovado agora
em março, evitando novos atrasos.
O entendimento entre o Congresso e o
Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito das emendas parlamentares ao
Orçamento, homologado por unanimidade pela corte em pleno feriadão, deverá
destravar as votações.
No ano passado, o custo da contratação de pipeiros ficou em
R$ 458,9 milhões. É um valor que se mantém mais ou menos no mesmo patamar desde
2018, mas já esteve na casa dos R$ 700 milhões em anos com estiagem mais
rigorosa.
Uma lupa lançada sobre a operação concluiu que se trata de
um programa emergencial que, contraditoriamente, opera de forma quase
permanente. Sendo assim, a pergunta é se a população que dele necessita tem
sido atendida da melhor forma, e da maneira mais econômica. Possivelmente,
seria melhor construir mais cisternas na região e deixar os carros-pipa para
atendimentos complementares.
Essa é a mensagem central do documento "Relatório de
Avaliação - Operação Carro-Pipa”, coordenado por Jossifram Almeida Soares, da
Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (SMA) do
Ministério do Planejamento. O documento foi publicado no ano passado, como
parte de um ciclo de avaliações de gastos que abarcou outros programas voltados
à questão climática: o Fundo Amazônia, a política de combate ao desmatamento e
o uso de usinas térmicas.
A análise da Operação Carro-Pipa deixou evidente a
necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre como os vários programas da
União, dos Estados e dos municípios interagem para mitigar o problema da seca
no semiárido nordestino. Pode haver sobreposições, como pode haver vazios.
Esse raio-x mais aprofundado está em curso, coordenado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). A ideia é formular uma
política estrutural para o abastecimento do semiárido nordestino - que se torna
cada vez mais necessária, diante do aquecimento global e dos fenômenos
climáticos extremos.
O relatório mostra que, de 2012 até 2022, 47% dos municípios
atendidos utilizaram a Operação Carro-Pipa por 80% ou mais do tempo.
“A solução emergencial é cara, porque é emergencial”,
comentou o subsecretário de Gestão, Formulação e Uso de Avaliação de Políticas
Públicas, Rodrigo de Castro Luz.
“A avaliação questionou se não se deveria investir em uma
infraestrutura que tornasse a região mais resiliente às secas”, completou
Soares. “As cisternas são opções preferenciais porque dão autonomia às
famílias.” Nessa alternativa, as águas das chuvas são coletadas pelos telhados
das casas e armazenadas em caixas d’água.
O relatório comparou o custo do carro-pipa com o da
construção das cisternas e concluiu que, na maior parte dos casos, a segunda
alternativa é mais econômica. A Operação Carro-Pipa se mostrou mais vantajosa
apenas nos cenários em que o uso do programa emergencial é curto, por até
quatro meses. No entanto, os registros mostram que 76,6% dos municípios
utilizam a operação por mais de oito meses no ano.
O trabalho conclui com algumas recomendações de melhoria na
governança do programa. Por exemplo: aprimorar o sistema de monitoramento.
Questionado, o MIDR informou que o sistema de monitoramento
é aprimorado constantemente. “Cabe destacar o tamanho excepcional que a
operação possui, bem como a elevada sensibilidade dessa ação junto à população
do semiárido”, comentou. A pasta informou sobre outras ações em curso para
melhorar estruturalmente o abastecimento de água no Nordeste, sendo a principal
a integração de bacias do rio São Francisco.
A avaliação é uma ferramenta que dá critérios para “entender
se as políticas estão bem estruturadas em relação à relevância que elas têm”,
comentou o secretário-adjunto de Monitoramento e Avaliação, Wesley Matheus de
Oliveira.
“Mas, para além disso, podemos perceber políticas que não
operam adequadamente e trabalhar a qualidade alocativa”, informou. No caso do
carro-pipa, uma possibilidade seria migrar gradualmente os recursos para a
construção de cisternas, disse.
Menor do que R$ 1 bilhão num orçamento contado em trilhões,
a Operação Carro-Pipa é uma despesa muito pequena no conjunto da União. Ainda
assim, a avaliação demonstra que há como melhorar o uso daqueles recursos. Se o
objetivo é buscar um Estado eficiente, a avaliação de políticas públicas
precisa ser expandida e fortalecida.
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