Andrea Jubé, Valor Econômico
“Só faltou uma conversa”. A frase foi projetada num cartaz
na Praça do Povo, no município de Canudos, na Bahia, na primeira semana de
dezembro de 2002, durante um evento que celebrou os 100 anos da publicação de
“Os Sertões”, de Euclides da Cunha. O episódio é citado pelo professor da
Universidade de São Paulo (USP) Willi Bolle na obra “grandesertão.br”. A
afirmação é atribuída ao morador João de Régis, falecido naquele ano, aos 95
anos. Ao longo da vida, ele ouviu relatos sobre a Guerra de Canudos, ocorrida
entre novembro de 1896 e outubro de 1897: o conflito entre seguidores de
Antonio Conselheiro e o exército da nova República, que resultou num saldo de
mais de 20 mil mortos.
“Foi a falta de diálogo entre os representantes da então
recente República brasileira e os rebeldes de Canudos que acabou levando àquela
guerra fratricida”, analisou Bolle. “É a ausência de um verdadeiro diálogo
entre os donos do poder e o povo que caracteriza também a nossa época”,
acrescentou na mesma obra.
A história vem mostrando que a falta de
diálogo é um problema estrutural, antigo e atual do Brasil. Quase dez anos após
a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, no fim de
2015, não é raro ouvir de lideranças políticas, em conversas reservadas, que
não teriam sido as “pedaladas fiscais” a verdadeira causa da queda da petista,
mas, sim, sua inabilidade para o diálogo.
Quando Jaques Wagner, quadro histórico do PT e reconhecido
pela arte do diálogo, foi chamado para ajudar, sendo nomeado chefe da Casa
Civil em outubro daquele ano, era tarde demais, e o processo foi deflagrado
menos de dois meses depois. “Só faltou uma conversa”, diria o morador de
Canudos.
Igualmente reconhecido pela arte do diálogo, desde os tempos
de negociador nas greves do ABC paulista na década de 70, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva recolheu-se como um caramujo no gabinete presidencial. A
menos de dois anos do fim do mandato, com baixa popularidade, mas empenhado na
reeleição, ele precisa decidir qual recado mandar aos aliados para que o
acompanhem em 2026: o de um político disposto a conversar, ou recluso em um
casulo no Palácio do Planalto.
Nesse cenário, a nomeação da presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, para a Secretaria de Relações Institucionais a fim de atuar como
interlocutora do governo com o Congresso foi recebida com ressalvas por alguns
aliados, principalmente do Centrão. Nos últimos dias, a notícia de que Lula
avalia o nome do deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) para a Secretaria-Geral da
Presidência preocupou o mesmo grupo. A percepção é de que Lula estaria
imprimindo uma feição radical ao palácio, e portanto, ao governo. Uma sinalização
contrária àquela feita à população no pleito de 2022, com a frente ampla que
ajudou a elegê-lo.
Há meses, lideranças do Centrão, que garantem a
governabilidade, reclamam do modelo instituído por Lula de um palácio formado
exclusivamente por ministros do PT. Com a queda de popularidade, intensificaram
as cobranças para que um quadro não petista assumisse a articulação política
para “arejar” o Planalto, como se deu nas gestões Lula 1 e 2. Mas o presidente
dobrou a aposta, mantendo o PT na função.
Em contraponto, entretanto, uma liderança governista abriu a
divergência, afirmando à coluna que Gleisi tem qualidades que a credenciam para
a interlocução com o Parlamento, e que devem consolidá-la no cargo. Uma delas é
ser reconhecidamente porta-voz de Lula. “Quando ela fala, sabemos que é a
palavra do presidente”, exemplificou. O outro atributo é ser direta e
transparente. “Com ela é sim ou não”, disse o mesmo líder.
Além disso, ela foi fiadora no PT da candidatura de Hugo
Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara, construindo uma relação sólida
com o chefe do Legislativo. Em paralelo, mantém bom diálogo com o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de quem foi contemporânea quando foi
senadora pelo Paraná.
O mesmo líder observa que dificilmente o Centrão se
contentaria com a articulação política, se Lula cedesse e entregasse ao bloco a
cadeira no Planalto. “Eles pediriam mais”. Lembrou como expandiram o território
no governo Jair Bolsonaro, quando assumiram todos os cargos ligados à
articulação política, com o PP na Casa Civil e na liderança do governo na
Câmara, e o PL na Secretaria de Governo.
Sem a pasta da articulação política, no entanto, ministros
que representam o centro político no governo entraram em campo para que o
presidente nomeie um de seus quadros para o cargo de líder do governo na
Câmara, hoje ocupado pelo deputado José Guimarães (PT-CE).
O indicado do grupo é o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), um dos parlamentares mais próximos de Hugo Motta. “Ele tem como trazer o centro cada vez mais para o governo”, justificou um ministro.
O mesmo líder que elogia Gleisi faz coro à indicação de Isnaldo, ao argumentar que o estilo direto da petista nem sempre será o mais adequado. “A arte da política não é enrolar, é também dizer sim ou não sem criar aresta”, ensinou. Em suma, Lula não pode se fechar aos aliados nem restringir a frente ampla. Para ganhar fôlego para 2026, vai precisar de muita conversa.
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