Primeiras semanas do segundo mandato de Donald Trump
aceleraram bastante o processo de se criar uma nova ordem econômica global
Li em um relatório esta semana a citação a uma frase de
Vladimir Lênin que não via há tempos: “Há décadas em que nada acontece e há
semanas em que décadas acontecem”. O foco, claro, são as últimas sete semanas,
as primeiras do segundo mandato de Donald Trump, quando se acelerou bastante o
processo de se criar uma nova ordem econômica global. Muita coisa importante
aconteceu em muito pouco tempo.
Chamam a atenção a dimensão e a abrangência das mudanças
sendo implementadas pela nova administração americana. A forte alta das tarifas
de importação, até aqui focada nas mercadorias oriundas de Canadá, China e
México, é o destaque, revertendo uma longa tradição dos Estados Unidos de
manter uma economia relativamente aberta.
Nem de longe, porém, foi o único cavalo de
pau que o país deu. Pode-se citar também, por exemplo, os elevados cortes de
impostos e de gastos aprovados na Câmara dos Deputados, e em vias de passar
também pelo Senado; a demissão de milhares de funcionários públicos; e a nova
postura na geopolítica global, rompendo com aliados históricos e se aproximando
de países vistos até há pouco como inimigos. E há outros exemplos, como a
expulsão de imigrantes ilegais, a saída de tratados e organizações
internacionais, os cortes na ajuda internacional e a reversão de políticas em
áreas como o combate à corrupção, a defesa do meio ambiente e a promoção da
diversidade.
Sai de cena a busca de eficiência que marcou último
meio século e ganha total prioridade a segurança nacional
Também surpreende a velocidade com que tudo vem sendo feito.
O que se liga com outro ponto que me parece fundamental: qual a lógica por trás
dessas mudanças, quais os objetivos, quais as metas que se pretende alcançar?
Isso não parece claro, pelo menos de um prisma econômico, já que elas mais
atrapalham do que ajudam a economia americana.
No caso das tarifas, por exemplo, o aumento veio sem que
antes fossem apresentados estudos demonstrando quais os benefícios que se
espera alcançar com isso. As novas barreiras às importações da China são pelo
menos consistentes com o que os EUA vinham fazendo, procurando desconectar sua
economia da chinesa e, ao mesmo tempo, atrapalhar o desenvolvimento econômico e
tecnológico da China, vista como seu principal concorrente no cenário
internacional. Não é algo muito diferente do que seu viu no passado com a União
Soviética e, nos anos 1980, com o Japão.
Mas por que impor barreiras tão altas às importações vindas
de países amigos e parceiros comerciais históricos como o Canadá e o México? O
mesmo para com a União Europeia, contra quem, Trump já avisou, os EUA irão
impor tarifas igualmente altas. Trata-se de países que não oferecem perigo e de
arranjos produtivos que permitiram ganhos significativos de produtividade. Com
isso se promove uma significativa reconfiguração geopolítica, também alimentada
por outras medidas. Mas para quê?
As mudanças não serão resultado apenas do que ocorre nos
EUA. Igualmente relevante, me parece, é a dimensão das respostas dadas por
outros países, também essas fadadas a mudar a ordem econômica mundial. A
elevação das barreiras às importações vindas dos EUA é um exemplo óbvio, que
também vai contribuir para o desmonte das cadeias globais de valor e o
enfraquecimento de tratados e organizações internacionais. Também se prevê um
forte aumento dos gastos com defesa. Assim, sai de cena a busca de eficiência
que caracterizou o último meio século e ganha total prioridade a segurança
nacional.
Tudo isso terá, claro, repercussões econômicas importantes,
em especial com a queda do crescimento econômico global. Se as tarifas forem
mantidas no patamar atual, Canadá e México devem experimentar uma recessão. O
impacto será menor na Europa e na China pois, nesses casos, se esperam
respostas relevantes na área fiscal, que tendem a contrabalançar o pior
desempenho das exportações. Nos EUA, por seu turno, a economia já parece estar
sofrendo, resultado do grande aumento da incerteza.
Ao contrário do que se esperava, o dólar vem se
desvalorizando, em especial frente ao euro. A causa principal é a magnitude da
resposta fiscal prometida na Área do Euro, notadamente na Alemanha. Combinado
com a piora do cenário para os EUA, isso aumentou a atratividade relativa dos
ativos financeiros europeus. Por outro lado, um dólar mais fraco vai ajudar a
pressionar a inflação, que tende a ficar alta por mais tempo, reduzindo o
espaço para o banco central americano cortar juros.
No todo, esse vem se confirmando como um cenário difícil para países emergentes como o Brasil. Em que pese termos um déficit comercial com os EUA, é pouco provável que nossas exportações para o país escapem de um aumento de tarifas. O aumento da incerteza e a desaceleração do crescimento global também devem ser sentidos no preço das exportações e na confiança do empresariado, ainda que possamos ter ganhos pontuais, como no caso das exportações de alimentos para a China. Não custa insistir que tudo isso torna ainda mais crítico ajustar as contas públicas, o que, não obstante, não parece algo provável de ocorrer tão cedo.
Lênin foi o líder da revolução soviética, de um século atrás, a qual, junto com outras transformações da época, também mudou significativamente a ordem econômica global. Aquele também foi um período de crescente protecionismo, que foi uma das causas fundamentais da Grande Recessão dos anos 1930. Vamos torcer para que a lição tenha sido aprendida e não repitamos o mesmo erro.
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