Em dez anos, diferença de rendimento entre vagas com e
sem carteira caiu de 78% para 31%
O Brasil atingiu recorde de vagas formais e o menor nível de
desemprego da História em 2024, mas a informalidade ainda predomina em algumas
regiões do país. Em sete estados, mais da metade dos ocupados não tem carteira
assinada. Os dados, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua trimestral do IBGE, foram compilados pelo pesquisador Rodolpho Tobler,
do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a
pedido do GLOBO.
Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, contribuem para
esse quadro a baixa remuneração em vagas formais, especialmente para as que
exigem pouca qualificação, além do desejo de maior flexibilidade de horários e
da distância para o local de trabalho, no caso de quem mora na periferia.
Pesa ainda o fato de que a diferença de rendimento entre
trabalhadores formais e informais no Brasil diminuiu nos últimos anos, conforme
os dados do IBGE compilados por Tobler. Em 2015, a remuneração de empregados
com carteira superava em 73% a daqueles sem carteira. No fim de 2024, essa
diferença caiu para cerca de 31%.
No Pará, Piauí, Maranhão, Ceará, Amazonas,
Bahia e Paraíba, a informalidade continua acima de 50% (veja infográfico
abaixo). Esse patamar se mantém desde início da atual série histórica do IBGE.
Em 2020, na Paraíba e na Bahia o índice chegou a recuar para entre 47% e 48%,
mas foi reflexo da pandemia, não da melhora no mercado formal.
Retomada pós-pandemia puxa emprego formal
Segundo Tobler, o reaquecimento da economia após a pandemia
impulsionou um aumento disseminado do emprego com carteira assinada,
especialmente nos últimos dois anos. Esse crescimento foi maior, em termos
percentuais, no Norte e Nordeste, onde a informalidade é historicamente mais
alta e havia mais espaço para a expansão do trabalho formal. Mas não alterou o
quadro estrutural dessas regiões, diz o pesquisador:
— Tem muito a ver com a dinâmica da atividade econômica. A
estrutura produtiva dessas regiões, muitas vezes, está ligada à informalidade.
Um grande ponto dessa questão estrutural é ter políticas públicas que tentem
reduzir isso e busquem qualificar e formalizar essas pessoas (informais). Algo
já tem sido feito, mas talvez seja preciso um olhar mais local, que é muito
importante.
Manoel de Jesus, de 72 anos, morador de São Luís, no
Maranhão, teve seu último emprego com carteira assinada, como chefe de
almoxarifado, há sete anos. Hoje, vende produtos eletrônicos e acessórios para
celular em uma loja on-line que promove nas redes sociais. Ele sente falta do
regime CLT, que lhe permitia planejar melhor o orçamento:
— Gostaria de voltar a ter carteira assinada, mas para a
minha idade fica difícil.
Destaques de alta e de baixa
Na Bahia, apesar do recorde de 1,8 milhão de trabalhadores
com carteira assinada no setor privado no fim de 2024 — o maior em dez anos —,
mais da metade dos ocupados (51,4%) ainda estava na informalidade. No Pará,
mesmo com o emprego formal no maior nível desde 2012, a taxa de informalidade
ficou em 58,1%. Já na Paraíba, vagas com carteira também bateram recorde, com
alta de 15,1%, mas a informalidade ficou em 50,6%.
Por outro lado, Santa Catarina, outro estado recordista de
emprego formal, registrou a segunda menor taxa de informalidade da série. É um
estado com desemprego muito baixo, cujo resultado foi puxado pelo desempenho
positivo da indústria, diz Tobler.
O Distrito Federal alcançou o maior patamar de empregados no
mercado formal no ano passado. Mato Grosso do Sul (32,7%), Mato Grosso (32,9%)
e Goiás (36,5%) também ficaram com baixas taxas de informalidade.
Esses estados, explicam analistas, têm renda per capita
maior e economias mais desenvolvidas. No caso do DF, pesa ainda a grande
parcela de funcionários públicos.
Rio na contramão
Enquanto a maioria dos estados brasileiros avança na
formalização do trabalho, o Rio de Janeiro vai na contramão. A informalidade,
em alta desde 2017, atingiu 38,3% em 2024. Para Bruno Imaizumi, economista da
LCA Consultores, é um reflexo de problemas de segurança pública, violência e
corrupção, que dificultam a atração negócios para gerar empregos no estado.
A configuração do emprego informal no país também mudou na
última década, explica Tobler. Embora a maioria dos trabalhadores brasileiros
esteja nessa condição pela necessidade, uma parte crescente tem optado por esse
caminho para ter controle sobre seu tempo e sua renda. Um reflexo do aumento da
participação dos serviços na economia.
— A informalidade acabou ganhando mais peso, e o que vemos é
uma dualidade. Muitos que estão na informalidade, embora queiram a estabilidade
e os benefícios do emprego formal, já valorizam a flexibilidade que o emprego
informal proporciona — diz Tobler.
Formal ganha mal
Uma das razões pelas quais o trabalhador permanece na
informalidade é a perspectiva de maior renda, explica João Saboia, professor
emérito do Instituto de Economia (IE) da UFRJ. Para um profissional com baixa
escolaridade e pouca qualificação, a escolha é entre um emprego formal com
salário mínimo e uma ocupação informal com potencial de dobrar o rendimento.
— As pessoas gostam de ter a carteira assinada, mas se a
renda for muito baixa, é melhor recorrer à informalidade e trabalhar por conta
própria — afirma Saboia.
Isso ficou evidente em uma pesquisa da UFRJ, que ouviu
motoristas e entregadores de aplicativos no Rio. O estudo, publicado na Revista
de Economia Contemporânea do IE, em 2024, mostra que o trabalho formal hoje é
pouco atraente para eles.
— Ficou claro que a alternativa (formal) para eles é muito
ruim. E tem essa questão de ser dono do seu nariz e não ter o empregador direto
enchendo o saco. E isso não acontece só entre o pessoal que trabalha via
aplicativo. O sonho de “ser empreendedor” cresceu nos últimos anos — diz
Saboia.
Da Marinha para o app
Morador do Rio, Johny Branco, de 31 anos, era militar
concursado, mas deixou a Marinha em 2021 para trabalhar em tempo integral como
motorista de aplicativo. Em troca da estabilidade e dos benefícios do setor
público, diz, pesaram a maior liberdade e a remuneração:
— Foi uma escolha muito pensada. Já fazia as corridas nos
fins de semana, como complemento, e entendi que poderia ganhar mais. Fora que
sou dono do meu tempo.
Parte da renda extra vai para a manutenção do carro, e o
resto, para viagens com a mulher e os filhos. Quanto ao futuro, ele conta que
passou a pagar a aposentadoria como microempreendedor individual (MEI), por
onde também fez seu plano de saúde.
Branco ainda planeja cursar uma faculdade para, quem sabe,
prestar outro concurso e conquistar uma remuneração maior. Para ele, trabalho
no setor privado com carteira, só por pelo menos R$ 5 mil e de segunda a
sexta-feira.
Mais difícil na periferia
Para trabalhadores das periferias, conseguir um emprego que
pague mais que um ou dois salários mínimos é raro, e as vagas formais não
oferecem oportunidades reais de crescimento, diz Renato Meirelles, fundador do
Data Favela. A distância entre a casa e o trabalho é outro fator que leva
muitos a preferirem o empreendedorismo ou bicos, para ter mais controle sobre o
próprio tempo.
— Não surpreende que a pesquisa do Data Favela mostre que
67% das pessoas acreditam que o fim da escala 6x1 daria mais tempo para o lazer
e a família. O brasileiro da periferia quer ser dono do seu relógio, poder
assistir um jogo de futebol em paz no fim de semana, levar os filhos para
passear sem pressa, viver além de simplesmente trabalhar — diz Meirelles.
Embora o emprego formal ofereça maior proteção social, os
mais jovens têm disposição para encarar jornadas de até 12 ou 14 horas em troca
de maiores ganhos e autonomia, aponta Saboia. Assim, com a menor taxa de
desemprego da História, muitas empresas relatam dificuldades em encontrar
profissionais qualificados.
Para Saboia, o principal desafio do mercado de trabalho é
superar a baixa produtividade, diretamente ligada à qualificação profissional e
a maiores investimentos privados. Ele aponta que a solução passa por políticas
como o aumento do salário mínimo — adotada pelo governo Lula —, que torna o
emprego formal mais atraente e impacta até a renda dos informais, já que o piso
serve de referência para o mercado.
Incentivo ao MEI
O professor da UFRJ também defende o incentivo à
formalização via MEI, o avanço na regulamentação do trabalho por aplicativos e
o reforço da fiscalização das empresas que não contratam formalmente.
— É política pública. Tem de convencer as pessoas de que
vale a pena ser MEI. Os jovens têm dificuldade de pensar no futuro — diz
Saboia.
Medidas que garantam alguma segurança previdenciária,
direitos básicos e apoio financeiro transformam o emprego informal em
oportunidade, diz Meirelles. Para ele, a digitalização evidenciou o desejo do
brasileiro de ser dono do próprio negócio:
— Hoje, o trabalhador informal não é só aquele que vende
pastel na esquina, mas também quem entrega comida por aplicativo ou faz vendas
pela internet. Se isso é sustentável ou não, depende de como lidamos com essa
transformação.
Como exemplo de políticas públicas, Meirelles cita a
necessidade de crédito fácil e barato, simplificação dos processos burocráticos
e capacitação profissional para os informais:
— O exemplo do MEI já mostrou que é possível dar certo, mas
precisamos ir além.
*Estagiário, sob a supervisão de Alexandre Rodrigues
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