Uma Corte Suprema tem a sua autoridade e reputação
baseadas no respeito que demonstre às regras de direito
O momento em que o país se prepara acompanhar um julgamento
em que os acusados, muitos militares, incluído um ex-presidente da República,
respondem por uma tentativa de golpe de Estado, é o mais adequado para a
leitura do novo livro do jurista Gustavo Binenbojm, chamado “Freios e
contrapesos: independência, controles recíprocos e equilíbrio entre Poderes”,
que será lançado em breve. Trata das questões atuais e controversas sobre o
sistema político brasileiro, como emendas de orçamento, controle da segurança
pública pelo STF e o presidencialismo congressual.
Para Binenbojm, a Constituição brasileira de 1988,
promulgada sob os auspícios da redemocratização, erigiu uma espécie de
poliarquia no país, consagrando um complexo sistema de freios e contrapesos
entre os Poderes da República. A conquista e a preservação do regime
democrático há quase quatro décadas é um ativo da sociedade brasileira que
merece ser celebrado. Mas isso não deve interditar, ressalva, o debate sobre a
qualidade da democracia que praticamos e a funcionalidade do nosso sistema
político.
A defesa da democracia pelo STF nos últimos
anos é objeto de um exame objetivo e imparcial: o autor reconhece a
contribuição da Corte (e do Tribunal Superior Eleitoral) para a preservação da
institucionalidade, da lisura eleitoral e da atuação dos entes subnacionais no
combate à pandemia da Covid-19; mas, de outro lado, aponta a necessidade
imperiosa de que “qualquer medida judicial se revista dos requisitos formais e
materiais de validade jurídica exigidos pela lei e pela Constituição”.
A prerrogativa de errar por último, na definição de Rui
Barbosa, não transforma erros em acertos, adverte o constitucionalista, nem
exime quem a exerça do escrutínio da opinião pública. “Freios e contrapesos:
independência, controles recíprocos e equilíbrio entre Poderes” é, ao mesmo
tempo, na definição do autor, “um diagnóstico do que tem sido, em seu evolver
histórico, a experiência concreta das democracias constitucionais,
especialmente no Brasil, e uma reflexão sincera sobre como torná-las regimes de
governo dotados de mais legitimidade, eficiência, funcionalidade e
estabilidade”.
Anomalias do Executivo – mesmo daquelas que ameacem a
independência do Poder Judiciário – não justificam anomalias judiciais. Two
wrongs don’t make a right (dois erros não fazem um acerto). “ Só quem vivenciou
as entranhas do poder no período histórico em tela poderá dizer, com acuidade,
se todas as posturas do STF tinham razão de ser. É possível que as ameaças
fossem ainda piores do que supúnhamos ser. Mas o ponto é que onde os fins
passam a justificar os meios, já não existe mais um Estado de direito. Onde o
julgador é investigador, acusador e vítima do crime, toda a noção de devido
processo legal foi subvertida”.
Isso já seria grave se fosse uma prática isolada de um juiz
obscuro, lembra Binenbojm. “Mas se quem o faz é a Suprema Corte, então a
situação é mais séria, em virtude de sua posição terminal na hierarquia do
Poder Judiciário”. Ele ressalta que é preciso reconhecer que o STF tem uma
folha de serviços relevantes prestados à democracia no Brasil, sobretudo sob a
égide da Constituição de 1988. “Sua jurisprudência em matéria de direitos
fundamentais, especialmente no campo das liberdades públicas, representa um avanço
civilizatório e um dos pilares da nossa democracia”.
Mas cumpre também reconhecer que alguns excessos têm sido
cometidos, “ainda quando praticados sob a justificativa de defesa do próprio
regime democrático”. Mesmo inexistindo uma instância superior que os corrija,
lembra Binenbojm, uma Corte Suprema tem a sua autoridade e reputação baseadas
no respeito que demonstre às regras de direito que ela mesma declara. “De outra
parte, precisamos entender que a democracia no Brasil chegou a uma
encruzilhada: para não perdermos o direito de escolher os nossos representantes
no futuro, precisamos escolher a democracia já”.
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