O professor Antonio Delfim Netto faz
falta. Ele era um eventual conselheiro de Lula e
morreu em agosto.
Diante da carestia dos alimentos, Delfim poderia mostrar a
Lula como é possível fabricar quedas artificiais ou momentâneas de preços.
Poderia, sobretudo, mostrar que algumas medidas servem para nada.
Confrontados com a carestia, presidentes e hierarcas passam
por duas fases. Na primeira, culpam o povo que compra gêneros caros (Lula já
queimou essa etapa). Na segunda, acreditam em medidas pontuais (Lula entrou
nesse estágio).
Delfim alertaria o presidente contra os colaboradores que
oferecem soluções mágicas. Nesse ramo, ele superou o grande Houdini, mas não
acreditava nos próprios truques. Ele conhecia as limitações do poder de
Brasília e por isso tornou-se um valioso conselheiro longe dela.
Na quinta-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin reuniu
hierarcas para anunciar medidas de combate à carestia. Repetiu-se o cenário do
anúncio do pacote de contenção de gastos, anunciado por Haddad. Estava todo
mundo lá, menos Lula. Como disse um sábio à época, se fosse para dar certo,
Lula faria o anúncio.
Lula não dispõe mais dos conselhos de Delfim e está diante
de um processo de fritura de Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda. Trata-se
de uma fritura especial. Há quem traga o óleo e também a frigideira, mas falta
o sujeito que controla o fogão, e ele é o presidente da República.
Lula não fritou Antonio Palocci no seu primeiro mandato,
apesar dos sinais emitidos por Dilma Rousseff, chefe de sua Casa Civil. (Hoje,
quem está na cadeira é Rui Costa, com sua malquerença em relação a Haddad).
Como ministro da Fazenda, Agricultura e
Planejamento, Delfim mandou na economia até 1985. Deixou o governo com a
inflação em 224% enquanto cantava-se “O povo está a fim, da cabeça do Delfim”.
(Ele tinha na sua sala um Delfim sem cabeça emoldurado.)
Depois que ele foi embora, fritaram-se nove ministros da
Fazenda, até que Itamar Franco colocou Fernando Henrique Cardoso na cadeira.
Ambos sabiam o que fazer, a inflação foi derrubada e o Brasil voltou a ter uma
moeda, o Real. Fritar ministros era fácil. Difícil era decidir o que fazer.
Graças ao Banco Central, a inflação está contida, mas a
carestia está solta e o governo, sem saber o que fazer, mostra que sabe
organizar eventos. No de quinta-feira, o som das perguntas falhava.
Gleisi no Planalto
A ida de Gleisi
Hoffmann para a Secretaria de Relações Institucionais pode ser vista
como uma indicação de que Lula infletiu seu governo para a esquerda. Afinal,
ela tem sido uma crítica de algumas medidas de Haddad.
Pode, mas pode também indicar que Lula não sabe para onde
ir, até porque nessa segunda metade do mandato ele pressente a erosão de sua
base parlamentar.
A misteriosa submissão de Zelensky
Na terça-feira, depois da reunião teatral com Donald Trump
na Casa Branca, o presidente ucraniano Volodymyr
Zelensky disse que “está pronto para trabalhar sob sua forte
liderança.”
À primeira vista, foi um caso de inédita submissão. Pode ter
sido, mas há um padrão nas reações de chefes de Estado às bravatas diplomáticas
e tarifárias do presidente americano. Europeus, canadenses e mexicanos estão
reagindo de forma mais ou menos coordenada, e Zelensky aconselhou-se com o
primeiro-ministro inglês e o presidente da França.
Pelo andar da carruagem, as vítimas das bravatas acreditam
que Trump acabará amarrado nas próprias cordas.
A China anunciou-se pronta para “qualquer tipo de guerra”:
“Bullying não funciona conosco.”
Trump corre o risco de virar valentão do colégio.
Esperança
Alguns militares presos por conta do golpismo de 2022/23
acreditavam que seriam libertados depois da denúncia da Procuradoria-Geral da
República (PGR). Ela veio, e nada.
Bolsonaro não pagará cadeia
Se for condenado, Jair
Bolsonaro não pagará um só dia de cadeia. Irá para uma embaixada e
pedirá asilo diplomático.
Em fevereiro de 2024 ele já dormiu uma noite na embaixada da
Hungria, mas não pediu asilo. Se pedisse, corria o risco de ficar lá por algum
tempo, até que o governo brasileiro lhe concedesse um generoso salvo-conduto,
pois a Hungria (como os Estados Unidos) não é signatária da Convenção de Havana
de 1928, que regula o asilo diplomático.
Se resolver ir para a embaixada da Argentina, a concessão do
asilo é certa e o salvo-conduto não deverá demorar.
O asilo diplomático é uma especiaria latino-americana e pode
ser concedido ao cidadão que entra numa embaixada de país signatário da
convenção e se declara perseguido político.
Pressão sobre Tarcísio
Pelo andar da carruagem, o PP do senador Ciro Nogueira se
afastará de Lula e terá candidato a presidente em 2026.
Nogueira não esconde sua preferência pelo governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas.
Tarcísio insiste em dizer que pretende disputar a reeleição.
Aliados como Nogueira acreditam, mas estão certos de que ele não resistiria num
cenário em que teria uma forte base de apoio, bafejada por pesquisas a seu
favor e adversas para o governo.
Papa João XXIV
Com o Papa Francisco internado aos 88 anos, começaram as
inevitáveis especulações em torno do seu sucessor. Neste século, os cardeais
escolheram dois Papas, Bento XVI e Francisco. O primeiro, Joseph Ratzinger,
estava nas listas dos favoritos. O segundo, Jorge Bergoglio, surpreendeu por
ser argentino.
Oito anos antes, no primeiro escrutínio, Ratzinger teve 47
votos, seguido por Bergoglio, com dez. No dia seguinte, a disputa continuou
entre os dois. Na segunda votação o cardeal alemão conseguiu 65 x 35. Na
terceira, 70x40. Na quarta, Ratzinger teve 84 votos, batendo a marca exigida
dos 75 e tornou-se Bento XVI.
Entre a terceira e a quarta votação, o cardeal arcebispo de
Milão, Carlo Maria Martini, procurou Ratzinger e ofereceu-lhe seus votos (pelo
menos nove) em troca de uma promessa: eleito Papa, ele reorganizaria a máquina
do Vaticano. Se não conseguisse, renunciaria. Bento XVI renunciou em 2013.
Martini temia que, num impasse entre Ratzinger e Bergoglio,
a Cúria produzisse uma tertius italiano.
Essas revelações vieram de um diário mantido por um cardeal
e da entrevista de um padre amigo e confessor de Martini, dada depois de sua
morte, ocorrida em 2015.
Não se sabe quando, nem quem será eleito no próximo
conclave, mas, se dependesse de Francisco, ele escolheria o nome de João XXIV,
indicando que continuaria o pontificado renovador de João XXIII (1958-1963).
Bergoglio chegou a pensar nesse nome para seu pontificado,
mas o cardeal brasileiro Cláudio Hummes o teria convencido a ser Francisco.
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