Intenção do governo é positiva, mas falta ênfase para
melhorar a condição feminina no Brasil
Numa entrevista que concedeu ao Valor no
início da campanha eleitoral de 2022, o candidato Ciro Gomes tentou atacar o
seu rival Lula descrevendo como seria a composição do ministério do petista
caso ele saísse vitorioso na eleição:
“Ele [Lula] vai botar um banqueiro na Economia, entregar as
políticas de papo-furado - mulher, índio e negro - para o PT se divertir, a
política e o orçamento pro Centrão e vai passear no estrangeiro”, afirmou Ciro,
com a sua habitual falta de senso. Na época pegou bastante mal para o político
cearense chamar de “papo-furado” políticas públicas voltadas para importantes
contingentes minorizados da população.
No sábado (08), Lula utilizou sua conta no
X para “homenagear a luta das mulheres brasileiras”. Dias antes, contudo, ele
havia demitido uma ministra com reconhecido perfil técnico como Nísia Trindade
sob a justificativa de que faltava a ela “agressividade” na política. Foi
inevitável lembrar do controverso Ciro debochando do real compromisso de Lula
com a causa feminina.
Ainda na rede social de Elon Musk, Lula elencou algumas das
medidas tomadas pelo seu governo, a começar pela criação do Ministério das
Mulheres: aprovação da Lei da Igualdade Salarial, a retomada do Programa Mulher
Viver Sem Violência e o lançamento do Pacto Nacional de Prevenção de
Feminicídios, investimentos na construção de creches e escolas em tempo
integral, além da instituição da iniciativa Elas Empreendem e do Prêmio Mulher
e Ciência.
De fato, Lula foi o primeiro presidente a dar à Secretaria
de Políticas para Mulheres o status de ministério, em 2010. Em 2015, porém,
numa reforma ministerial criada para tentar salvar seu governo, Dilma Rousseff
rebaixou a importância da área, agrupando diversas temáticas numa única pasta,
o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos
Humanos, que depois foi rebatizado de Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos por Jair Bolsonaro.
O terceiro mandato de Lula tem o mérito não apenas de
recuperar o protagonismo da temática feminina na Esplanada - e para isso é
bastante simbólico nomear a pasta como Ministério das Mulheres - como é
louvável a tentativa do governo de reorientar suas ações, que sob a gestão de
Bolsonaro e sua ministra Damares Alves havia conduzido as políticas públicas da
área sob um viés conservador, religioso e, é preciso dar o nome certo às
coisas, misógino.
Entre o discurso e a prática, porém, há um longo caminho - e
é preciso analisar criticamente o que, para além da propaganda das redes
sociais, vem sendo feito pela atual administração federal para reduzir a
desvantagem política, social e econômica que assola das mulheres.
Começando por aquilo que depende apenas da sua caneta, Lula
avançou muito pouco em termos de promoção de mulheres a posições de liderança
em seu governo. De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal, em janeiro de
2025 apenas 41,6% dos cargos de liderança no governo federal eram ocupados por
mulheres, um avanço decepcionante em relação ao índice observado nesta mesma
altura do mandato de Bolsonaro (39%).
Muito mais complexo, porém, é mudar a dura realidade que
aflige diariamente as mulheres do país. De acordo com o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, em 2023 cresceram todas as modalidades de violência contra
elas, como estupros (6,5%), tentativas de homicídio (9,2%) e feminicídios
(0,8%). Embora a reformulação do Disque 180 e a liberação de recursos para o
programa Casa da Mulher Brasileira (com 16 unidades entregues, 18 em obra e 28
no projeto) sejam medidas positivas, reduzir o número de atentados contra
mulheres exige uma ampla política nacional de segurança pública, item no qual o
governo patina.
Lula cumpriu a promessa de recompor o orçamento do
Ministério das Mulheres para o nível vigente no governo Dilma, mas esqueceu de
dizer que na sua conta não entrava o reajuste da inflação, o que gera uma
defasagem real de 67% em relação a 2015. Para piorar, dos R$ 257 milhões
alocados para a pasta em 2024 (o terceiro menor orçamento do governo), só 22%
foram liquidados, segundo informações do Portal da Transparência.
No que diz respeito à questão econômica, ainda que seja
meritória a aprovação da Lei nº 14.611/2023, chamando a atenção para as
disparidades salariais de gênero, menos de metade das mulheres com mais de 14
anos estava trabalhando no final de 2024 (49,1%, comparado com 69% dos homens).
Além disso, a taxa de desemprego entre as trabalhadoras brasileiras (7,6%) era
muito superior à masculina (5,1%).
Dificilmente teremos alteração nesse quadro enquanto,
segundo o Inep, ainda faltarem 900 mil vagas para o Brasil atingir a meta pouco
ambiciosa de ter 50% das crianças com até três anos matriculadas em creches;
ou, ainda, apenas 14,9% dos alunos do ensino fundamental frequentarem escolas
em período integral.
A volta de Lula e do PT representa sem dúvidas um olhar mais
atento para os problemas que as mulheres enfrentam. Para ir além do
“papo-furado”, porém, é preciso muito mais empenho do governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário