O sucesso de “Ainda estou aqui” foi um grande momento: festa
na mídia, nas redes e até no carnaval. Agora, vale a pena perguntar como
encaramos o filme. Um relâmpago em céu azul ou sinal de maturação do nosso
cinema? Se optarmos pela segunda hipótese, é necessário ir adiante: o que fazer
para explorar a oportunidade aberta pelo Oscar? Não creio que o tema tenha
entrado na pauta.
O Oscar tem sido o critério com que julgamos nossos êxitos.
Mas o cinema brasileiro, há muitos anos, tem excelente desempenho nos festivais
europeus. A importância de um bom cinema é indiscutível. Ele fortalece nossa
identidade, projeta nossa cultura e até ajuda nossos produtos. O domínio
cultural americano surgiu também na esteira de Hollywood (turismo, paisagem,
blue jeans, comida, fast-food, sonho americano, idioma inglês). O cinema é uma
ferramenta do soft power.
A maior iniciativa de apoio ao cinema brasileiro nasceu no
período militar: a Embrafilme, que, além de financiar, distribuía os filmes.
Nos Anos de Chumbo o cinema brasileiro era onde matávamos a sede de debates.
Íamos ao Cine Paissandu, e alguns filmes brasileiros, como “Terra em transe”,
de Gláuber Rocha, produziram discussões memoráveis.
Com o tempo, os filmes intelectualizados deram lugar a
outros mais populares. Cada um dos diretores contribuiu com a nova fase: Leon
Hirszman fez “Garota de Ipanema”; Joaquim Pedro de Andrade, “Macunaíma”; Nélson
Pereira dos Santos, “Como era gostoso o meu francês”. Domingos de Oliveira fez
“Todas as mulheres do mundo”. A mesma geração que sustentou o debate preparou o
trânsito para um momento mais leve e comercialmente viável.
O cinema brasileiro já disputou quatro vezes o Oscar de
Melhor Filme Estrangeiro. A primeira vez com “O pagador de promessas” (Anselmo
Duarte) em 1963; a segunda com “O quatrilho” (Fábio Barreto) em 1996; em
seguida com “O que é isso, companheiro?” (Bruno Barreto) em 1998; e “Central do
Brasil” (Walter
Salles) em 1999. E ganhou com “Ainda estou aqui”, indicado entre os
melhores, inclusive americanos.
Há alguns meses houve uma retrospectiva de filme brasileiro
em Nova
York, no Lincoln Center. No dia 24 de abril, em Londres, haverá outra. São
retrospectivas concentradas na produção da L.C. Barreto, uma empresa singular
no mundo, com mais de 60 anos no ramo. Há filmes como “Bye Bye Brasil”, de Cacá
Diegues; “Terra em transe”, de Gláuber Rocha; e “Vidas secas”, de Nélson
Pereira dos Santos; discutidos em inúmeros artigos e ensaios pelo mundo. Foram
incluídos entre os cem melhores filmes de todos os tempos pela revista inglesa
Sight and Sound.
É preciso pedir ao governo bom uso da Contribuição para o
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), taxa criada
por João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento de Ernesto
Geisel. Ela é paga pelos profissionais e empresas que operam na indústria
cinematográfica. A Condecine fatura mais de R$ 1 bilhão por ano. O destino da
verba: indústria cinematográfica. Isso é garantido por meio das políticas de
fomento desenvolvidas pela Agência Nacional do Cinema. No entanto, se parte
desse montante não for usado, o que acontece com frequência, por descaso da
instituição que administra o repasse, o valor cai nos cofres do governo e é
usado noutros setores, prejudicando a cadeia de produção do cinema brasileiro.
A imprensa poderia dar um pouco mais de espaço ao cinema,
mas a própria indústria, por meio do sindicato, tem de estar presente nas redes
sociais. No Congresso, é preciso criar um grupo de apoio ao cinema nacional.
Empresas poderiam promover a exibição de filmes brasileiros em escolas, com a
presença de atores. Nada disso está acontecendo, mas creio que Lucy Barreto —
que, aos 92 anos, viaja pelo mundo promovendo o cinema brasileiro — poderia ser
ouvida para a criação desse movimento.
Finalmente, um grande problema: cinemas de rua foram para os
shoppings, ficaram caros demais para nosso povo. O debate é necessário: como
explorar nossa riqueza cultural?
Artigo publicado no jornal O Globo em 07 / 04 / 2025
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