As forças políticas deveriam se preocupar com a crise
global, e não com a ‘anistia’ a Bolsonaro. Está na hora de deixar a Justiça
cuidar do ex-presidente. O Brasil tem mais o que fazer
Jair Bolsonaro – aquele que é, segundo seus bajuladores, o
“grande líder da direita no Brasil”, timoneiro do PL, o maior partido da Câmara
– não tem nada a dizer sobre a profunda crise mundial deflagrada pelo
presidente dos EUA, Donald Trump. Nada. Seu único assunto é a tal de “anistia”
para os golpistas do 8 de Janeiro – e, por extensão, para si mesmo. Enquanto o
mundo derrete em meio à escabrosa confusão criada por Trump, aliás ídolo de
Bolsonaro, o ex-presidente mobiliza forças políticas para encontrar meios de
driblar a lei e a Constituição e livrar da cadeia os que conspiraram para
destruir a democracia depois das eleições de 2022, sob sua liderança e
inspiração.
Admita-se que talvez seja melhor mesmo que Bolsonaro não dê
palpite sobre o que está acontecendo, em primeiro lugar porque ele não saberia
o que dizer nem o que propor quando o assunto é relações internacionais.
Recorde-se que, em sua vergonhosa passagem como chefe de Estado em encontros no
exterior, ele só conseguia falar com os garçons. Mas o ex-presidente poderia,
neste momento de graves incertezas, ao menos mostrar algum interesse pelo
destino do país que ele diz estar “acima de tudo”. No entanto, como sabemos
todos os que acompanhamos sua trajetória política desde os tempos em que era
sindicalista militar, o Brasil nunca foi sua prioridade.
Mas o Brasil deveria ser prioridade de todos os demais. O
tema da “anistia” não deveria nem sequer ser discutido por gente séria frente
não só às turbulências globais do momento, mas a problemas brasileiros
incontornáveis que afligem de fato a população – como a inflação, a violência,
a saúde pública, os desafios educacionais, os caminhos para assegurar
desenvolvimento em bases sustentáveis ou os efeitos das mudanças climáticas
sobre a vida nas florestas e nas cidades.
Infelizmente, num Congresso que se mobiliza de verdade quase
sempre apenas para assegurar verbas e cargos, Bolsonaro está em seu meio.
Parece intuir que a liderança que exerce sobre sua numerosa base popular basta
para submeter os políticos pusilânimes a seus caprichos pessoais, e é por isso
que o ex-presidente dobrou a aposta, lançando repto às instituições,
reafirmando-se como candidato à Presidência – apesar de sua inelegibilidade – e
convocando os potenciais herdeiros políticos a se tornarem cúmplices de seus
ataques à democracia.
Bolsonaro está a todo vapor: além de mobilizar parlamentares
da oposição e fazer atos públicos e declarações quase diárias sobre o tema,
reuniu-se fora da agenda oficial com o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), para pressioná-lo a colocar em votação a tal “anistia”.
Embora esteja resistindo, o presidente da Câmara iniciou conversas com
integrantes do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF), pregando uma
solução negociada entre os Poderes para reduzir a pena dos condenados pelo 8 de
Janeiro com o objetivo de “pacificar” o País. Como demonstra não se preocupar
de fato com a massa de vândalos do 8 de Janeiro e sim com a própria absolvição,
Bolsonaro chegou a minimizar a importância de uma eventual revisão da
dosimetria pelo STF. Disse que só lhe interessa a “anistia ampla, geral e
irrestrita” – obviamente uma piada de mau gosto.
Já que a maioria dos brasileiros é contra a anistia, segundo
recentes pesquisas, as patranhas do ex-presidente seriam apenas irrelevantes
caso se resumissem a ele e ao clã Bolsonaro. Mas é perturbador observar que
algumas das principais autoridades do Brasil estão realmente se dedicando ao
tema. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo, encontrou
tempo em sua decerto atarefada rotina para ligar pessoalmente a todos os
deputados do seu partido com o objetivo de convencê-los a assinar o requerimento
de urgência para o projeto de anistia, como se isso fosse de fato relevante
para os paulistas.
Não é. Se Bolsonaro for condenado e preso, e se os golpistas
forem todos punidos, rigorosamente nada vai mudar no País. No entanto, se as
forças políticas do Brasil não se mobilizarem rapidamente para enfrentar o novo
e turbulento mundo que acaba de surgir, aí, sim, os brasileiros sofreremos
todos. Está na hora de deixar a Justiça cuidar de Bolsonaro e seguir adiante. O
Brasil tem mais o que fazer.
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