segunda-feira, 14 de abril de 2025

BRASIL VIVE DECLÍNIO POLÍTICO

Fernando Gabeira, O Globo

A sensação é que muitos esperam apenas a confirmação das próprias ideias e rejeitam tudo o que for contrário

Algumas vezes escrevo sobre temas antes de estar seguro sobre eles. Nesse caso, a escrita é apenas um esforço para começar a entender coisas que me intrigam no Brasil de hoje. Tenho pensado muito na atividade de comentarista político. A sensação é que muitas pessoas esperam apenas a confirmação de suas ideias e rejeitam tudo o que não for isso.

O método de analisar um fato político, como a anistia no Brasil de hoje, usando ferramentas clássicas como correlação de forças, táticas, acumulação, noção de tempo histórico... esse método parece muito frio para quem espera uma defesa da anistia ou uma condenação sumária. Todas as nuances são perigosas.

Na semana passada, deparei com o anúncio de um livro de uma neurocientista chamado “The ideological brain: the radical science of flexible thinking”. A autora, Leor Zmigrod, de certa maneira menciona isso na entrevista de lançamento. Há uma tendência humana a desprezar o que não confirma as próprias ideias.

Pesquisas com crianças com formações diferentes mostram que as mais abertas são capazes de reproduzir melhor uma história porque se lembram de mais detalhes. Nesse quadro mental, o caminho para uma troca mais produtiva fica muito estreito. Mas não totalmente fechado. As pesquisas no Brasil mostram que há um grande contingente de pessoas que não se localizam em extremos, um grupo pejorativamente chamado de isentão.

O problema é se comunicar com esse grupo. Significa passar por um tremendo corredor polonês de quem vê a política como guerra e pede a todo instante tomadas de posição apaixonadas. Na anistia, a direita procura avançar às cotoveladas sem noção de timing, nem cuidados com sensibilidade política. É uma tática truculenta, inadequada para quem está em desvantagem. Ao fazer campanha contra a anistia, a esquerda, por seu lado, acaba contribuindo para popularizar um tema ainda pouco falado nas ruas. Em síntese, o nível político no Brasil poderia ser mais alto, parece que não há mais reflexão.

Outro tema que me intriga é a resposta ao declínio de popularidade do governo. O núcleo palaciano prepara campanhas, define novas prioridades, como a segurança, desenha aproximações com os evangélicos — enfim, faz tudo o que pode para reverter o quadro.

O que não consigo entender é como um governo eleito com a maioria esmagadora de votos entre intelectuais, artistas, cientistas, acadêmicos, debate-se tão distante no seu labirinto. Era de esperar que surgissem inúmeros documentos, seminários, mesas-redondas, até uma discussão apaixonada sobre os rumos. Não vejo nada.

A direita sempre aborda as coisas com clareza: é defensora de “retropia”, um mergulho no passado idílico que não volta mais. Bolsonaro cultivava os tempos do governo militar. Trump, num movimento muito mais perigoso, quer fazer voltar aos Estados Unidos as empresas que saíram num processo de racionalização capitalista.

Não seria o momento de uma frente discutir caminhos para evitar uma volta ao passado? Não seria a hora de descortinar o futuro diante de tantos desafios como mudanças climáticas, inteligência artificial, crise alimentar? Não entendo a acomodação diante do abismo. Às vezes, penso que faltam ideias. Mas, durante a campanha, o candidato recebe inúmeras sugestões de programa, às vezes roteiros completos de como se conduzir por uma década.

Por que tudo se transforma depois? O governo vai cuidar da política com os deputados do Centrão, e os intelectuais voltam placidamente para suas atividades. Parece que está tudo bem. O problema é quando as coisas não andam para a frente, andam para trás. O movimento é a realidade.

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