A sensação é que muitos esperam apenas a confirmação das
próprias ideias e rejeitam tudo o que for contrário
Algumas vezes escrevo sobre temas antes de estar seguro
sobre eles. Nesse caso, a escrita é apenas um esforço para começar a entender
coisas que me intrigam no Brasil de hoje. Tenho pensado muito na atividade de
comentarista político. A sensação é que muitas pessoas esperam apenas a
confirmação de suas ideias e rejeitam tudo o que não for isso.
O método de analisar um fato político, como a anistia no
Brasil de hoje, usando ferramentas clássicas como correlação de forças,
táticas, acumulação, noção de tempo histórico... esse método parece muito frio
para quem espera uma defesa da anistia ou uma condenação sumária. Todas as
nuances são perigosas.
Na semana passada, deparei com o anúncio de um livro de uma
neurocientista chamado “The ideological brain: the radical science of flexible
thinking”. A autora, Leor Zmigrod, de certa maneira menciona isso na entrevista
de lançamento. Há uma tendência humana a desprezar o que não confirma as
próprias ideias.
Pesquisas com crianças com formações
diferentes mostram que as mais abertas são capazes de reproduzir melhor uma
história porque se lembram de mais detalhes. Nesse quadro mental, o caminho
para uma troca mais produtiva fica muito estreito. Mas não totalmente fechado.
As pesquisas no Brasil mostram que há um grande contingente de pessoas que não
se localizam em extremos, um grupo pejorativamente chamado de isentão.
O problema é se comunicar com esse grupo. Significa passar
por um tremendo corredor polonês de quem vê a política como guerra e pede a
todo instante tomadas de posição apaixonadas. Na anistia, a direita procura
avançar às cotoveladas sem noção de timing, nem cuidados com sensibilidade
política. É uma tática truculenta, inadequada para quem está em desvantagem. Ao
fazer campanha contra a anistia, a esquerda, por seu lado, acaba contribuindo
para popularizar um tema ainda pouco falado nas ruas. Em síntese, o nível
político no Brasil poderia ser mais alto, parece que não há mais reflexão.
Outro tema que me intriga é a resposta ao declínio de
popularidade do governo. O núcleo palaciano prepara campanhas, define novas
prioridades, como a segurança, desenha aproximações com os evangélicos — enfim,
faz tudo o que pode para reverter o quadro.
O que não consigo entender é como um governo eleito com a
maioria esmagadora de votos entre intelectuais, artistas, cientistas,
acadêmicos, debate-se tão distante no seu labirinto. Era de esperar que
surgissem inúmeros documentos, seminários, mesas-redondas, até uma discussão
apaixonada sobre os rumos. Não vejo nada.
A direita sempre aborda as coisas com clareza: é defensora
de “retropia”, um mergulho no passado idílico que não volta mais. Bolsonaro
cultivava os tempos do governo militar. Trump, num movimento muito mais
perigoso, quer fazer voltar aos Estados Unidos as
empresas que saíram num processo de racionalização capitalista.
Não seria o momento de uma frente discutir caminhos para
evitar uma volta ao passado? Não seria a hora de descortinar o futuro diante de
tantos desafios como mudanças climáticas, inteligência artificial, crise
alimentar? Não entendo a acomodação diante do abismo. Às vezes, penso que
faltam ideias. Mas, durante a campanha, o candidato recebe inúmeras sugestões
de programa, às vezes roteiros completos de como se conduzir por uma década.
Por que tudo se transforma depois? O governo vai cuidar da
política com os deputados do Centrão, e os intelectuais voltam placidamente
para suas atividades. Parece que está tudo bem. O problema é quando as coisas
não andam para a frente, andam para trás. O movimento é a realidade.
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