Dois mil anos depois, o cristianismo não alcançou
transformar o homem, ainda prisioneiro da violência
“Nosso tempo só pode ser interpretado à luz da Sexta-Feira
Santa. Estamos mergulhados num imenso vazio, entre a morte de Deus e a
esperança de Sua ressurreição”. Estas são palavras do poeta Pierre Emmanuel, da
Academia Francesa.
S. Paulo já doutrinava que, sem a ressurreição, não existe
cristianismo, e João Paulo II (S. João Paulo II) repetiu muitas vezes,
inclusive no Brasil, na imagem de que muitos queriam Cristo sem a cruz e
outros, a cruz sem Cristo, na análise das cobranças entre o espiritual e o
temporal na missão da Igreja.
A grande revelação do cristianismo está contida na
ressurreição. O homem vendo finalmente a face de Deus e, na vida, liberto da
angústia, da lei do “olho por olho e dente por dente”, vivendo a bondade,
perdoando a todos e a tudo, sem ódio e sem medo, o homem bom, cristão,
encontraria a essência da vida: a paz interior.
Dois mil anos depois, o cristianismo não alcançou
transformar o homem, ainda prisioneiro da violência, do pecado, como síntese de
toda a escravidão, do corpo e da alma.
O autor mais lido da Humanidade é o Cristo. Um homem que não
escreveu nada, ao que se sabe, apenas algumas palavras na areia. Contudo, a
força de sua doutrina desencadeou uma revolução na História do mundo pela
palavra. Ele revelou, num tempo de escravos e senhores, de uma sociedade
perdida pela divisão de castas, condições e submissões, uma verdade simples: a
de que todos somos irmãos, todos iguais, todos filhos de Deus e todos
destinados à salvação. Ele nos ensinou a buscar a Paz interior. Não a ausência da
guerra, mas a presença da Paz dentro de nós mesmos, sem nada a cobrar, sem
ressentimentos, sem a desgraça que não passa, corroendo o corpo e a alma pela
escravidão da maldade.
Cristo nos ensinou a perdoar e nos assegurou o caminho da
salvação: encontrar a felicidade na certeza de que o homem tem um destino
transcendental. “O fim sem fim do começo de tudo”, como afirmava o padre
Vieira.
A Igreja tem buscado, ao longo dos séculos, acrescentar
caminhos, descobrir outras mensagens na Mensagem primeira do cristianismo. Tudo
é necessário, mas a força maior que chegou até nós, e se prolongará até o
século dos séculos, é aquela que nasceu na Igreja das catacumbas: a revelação
do próprio Cristo.
A missão social da Igreja passou a preocupar a própria
Igreja a partir da Revolução Francesa, quando surgiu a expressão democracia
cristã. A identidade católica devia ser a base de uma sociedade democrática.
As pressões amadureceram e tomaram corpo na doutrina, com o
correr dos tempos, na Rerum Novarum. A Graves Communi limitava a visão social,
terreno da caridade (1901). Muitas outras encíclicas vieram. Mater et Magister
(1961), Pacem in Terris (1963), os documentos do Concílio Vaticano 2º (1965), a
Populorum Progressio (1967), Evangelii Nuntiandi (1975) de Paulo 6º, passando
pela Laborem Exercens até a carta de João Paulo II à Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil e a excelente Laudato Si’, de Francisco, sobre meio ambiente,
hoje no seu aniversário de dez anos. A CNBB deflagrou a Campanha da
Fraternidade neste ano optando pelo tema “Fraternidade e Ecologia Integral”,
invocando o Livro dos Gênesis para lembrar que, quando fez a Terra, “Deus viu
que tudo era muito bom”.
Hoje se discute a relação entre Igreja e partidos políticos.
Seria a doutrina social cristã a terceira linha entre socialismo e capitalismo?
E, com o desmoronamento do socialismo de Estado, há uma convergência entre
democracia cristã e social-democracia. Como a Igreja deve se comportar neste
instante em que as estatísticas apontam o crescimento do ateísmo, a invasão das
seitas e a onda do materialismo científico, que volta ao tema da morte de Deus?
Hegel falou, em 1802, numa “Sexta-feira Santa especulativa”, anunciando a
descoberta da morte de Deus. Nietszche assumiu a autoria desse assassinato:
“Deus morreu. Nós o matamos.” Assim também pensaram Marx e Freud. Mas nunca
esteve tão vivo e nós precisando tanto Dele.
Está vivo! A Sexta-Feira Santa é não o dia da Sua morte,
porque Deus não morre: é o Dia da Ressurreição.
Esta Sexta Santa de hoje nos convida a meditar e ouvir os
exemplos da Paixão. É Cristo amando os homens até o fim, como afirma S. João e,
neste Amor Maior, a Eternidade que se começa a ver pelos olhos daquelas Marias
— Maria Madalena, Maria Salomé e Maria de Cléofas —, que de madrugada olhavam o
Santo Sepulcro: estava vazio.
O Anjo lhes disse: Non est hic. Ibi est. (Não está aqui.
Está LÁ = no Céu)
José Sarney, ex-presidente da República


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