A NPR e a PBS viverão tempos duros. Se souberem enfrentar
a sanha autoritária, contribuirão para a causa democrática nos Estados Unidos e
no mundo todo
Depois de disparar contra as universidades e contra a
imprensa, a Casa Branca pretende agora atacar as emissoras públicas dos Estados
Unidos. As estações de rádio da National Public Radio (NPR) e as estações de TV
da Public Broadcasting Service (PBS) entraram na mira. Estamos falando de dois
pilares da comunicação social de toda a América do Norte. A PBS foi formada em
1970 e hoje reúne 365 canais de televisão dedicados à cultura, à educação e ao
jornalismo independente e crítico. A NPR surgiu em 1969 e tem 1.041 rádios
públicas entre as suas afiliadas, algumas delas em atividade desde a primeira
metade do século 20. Um dos pontos altos de sua programação tem sido o
jornalismo internacional. As duas entidades provam diariamente que qualidade
pode fazer sucesso e se distinguem por não veicularem anúncios publicitários
banais, desses que oferecem hambúrguer, pasta de dente, cartão de crédito ou
vitaminas em cápsula. Elas não têm fins de lucro. Agora, atraem a fúria de
Donald Trump, empenhado em cortar os recursos federais que elas deveriam
receber.
A notícia de mais essa agressão contra as
liberdades nos Estados Unidos apareceu no The New York Times de segunda-feira:
“Casa Branca pedirá ao Congresso que retire o financiamento da NPR e da PBS”.
Na prática, isso significa que cerca de US$ 1 bilhão deve ser retirado do
orçamento da NPR e da PBS. Os repórteres Benjamin Mullin, Tony Romm e Jonathan
Swan, do Times, ouviram fontes que estão trabalhando diretamente nessas medidas
e trouxeram a história a público. Um furo providencial. É bom poder contar com
o jornalismo vigilante e atento.
O site da NPR também deu destaque para o golpe: “Trump
planeja ordenar o corte do financiamento para NPR e PBS”. O primeiro parágrafo
do texto não esconde nada nem exagera nada: “O governo Trump preparou um
memorando enviado ao Congresso comunicando sua intenção de encerrar quase todo
o financiamento federal para as emissoras públicas, o que inclui a NPR e a PBS,
segundo informou um funcionário da Casa Branca que falou com a NPR”.
Aqui, vale uma nota sobre o comportamento habitual das
emissoras públicas dos Estados Unidos: elas não sonegam de sua audiência os
ataques que sofrem do governo. Estão certas em agir assim. Ao não abaixarem a
cabeça, não ajudam o agressor com o silêncio obsequioso. Ao contrário, dão
visibilidade total para tratamentos indevidos que, às vezes mais, às vezes
menos, recebem dos governantes. A NPR e a PBS sabem que seus ouvintes e
telespectadores não são apenas crianças – há adultos na sala. Por isso, quando
se trata de contar sobre como se sustentam (ou como não se sustentam), têm o
costume respeitoso de tratar os adultos como adultos: compartilham com eles, em
primeira mão, o que eles têm direito de saber; não fazem rapapés de
acochambramento com autoridades em prejuízo do direito à informação de que todo
cidadão é titular.
Voltando ao país de Donald Trump, onde nuvens carregadas se
avolumam no horizonte, o fato é que as emissoras públicas agora são atingidas
pelas manobras de um governo que opera sem nenhum escrúpulo para se converter
rapidamente em ditadura ordinária. Esse mesmo governo vem promovendo a asfixia
das melhores e maiores universidades do país, como Columbia e Harvard. Ambas
são privadas, como os ultraliberais gostam de alardear, mas ambas dependem
fortemente de verbas federais, como os privatistas preferem esconder. Não se
faz pesquisa de qualidade sem apoio governamental, em nenhum lugar do planeta,
mas pouca gente parece saber disso.
Contra as universidades, Trump adotou a linha de fazer
chantagem aberta, descarada e às vezes consegue o que quer. Columbia aquiesceu,
ao menos por enquanto, e fez as mudanças que atendem aos caprichos da Casa
Branca. Quanto a Harvard, esta promete resistir. O governo quer retirar US$ 2,2
bilhões do caixa dessa grande instituição, mas Harvard firmou o pé. Postura
digna. A briga é boa e justa. O desfecho, incerto.
Sinais negativos e positivos aparecem também nas contendas
entre o presidente e a imprensa. Do lado dos sinais negativos, o pior talvez
seja o anúncio veiculado na semana passada pela maior rede de jornais dos
Estados Unidos, a Gannett. Segundo o comunicado oficial da Gannett, os seus
títulos se dobraram às pressões da Casa Branca e, entre outras rendições, vão
remover menções à diversidade em sua pauta diária.
Entre os sinais positivos está a vitória judicial da agência
de notícias Associated Press (AP). Há uma semana, os repórteres da AP
recuperaram seu direito de voltar a frequentar os eventos de imprensa na Casa
Branca, por decisão de um juiz federal. Desde fevereiro, eles vinham sendo
barrados nesses encontros. O motivo? Ora, muito simples: a agência se recusa a
mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América em seu noticiário.
O panorama é esse. Quadro conturbado. A NPR e a PBS viverão
tempos duros. Se souberem enfrentar a sanha autoritária, contribuirão para a
causa democrática nos Estados Unidos e no mundo todo.


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