A singularidade do presidente dos Estados Unidos na
centralização da tomada de decisões em uma democracia
Trump é
um caso singular de centralização da tomada de decisões em uma democracia. Ele
personifica seu gabinete. Atua como titular das pastas da Fazenda, Relações
Exteriores e Justiça —para dizer o mínimo. Suas decisões são divulgadas em sua
própria rede social ao longo do dia. Ocorre que o sistema político
norte-americano é, ao contrário dos sistemas parlamentaristas unipartidários,
precisamente o tipo de arranjo institucional em que a centralização do poder
decisório não deveria ser possível, como
discuti aqui na coluna.
O sistema foi desenhado para dificultar a concentração de
autoridade e garantir freios e contrapesos robustos: combina um Judiciário
independente com forte capacidade de revisão judicial, um Legislativo bicameral
cujos mandatos são defasados no tempo, uma Presidência institucionalmente
limitada, um federalismo robusto e eleições legislativas de meio de mandato que
ampliam a responsividade do sistema à opinião pública e ao desempenho do
Executivo.
Mccubbins identificou um trade-off inerente
ao desenho institucional das democracias entre o que chama decisiveness
(capacidade de um sistema institucional de aprovar e implementar mudanças em
políticas) e resoluteness (capacidade do sistema de manter e sustentar essas
políticas ao longo do tempo). Sistemas com alta capacidade decisória tendem a
ser menos resilientes e mais vulneráveis à volatilidade institucional. Em
contraste, sistemas com baixa capacidade decisória frequentemente enfrentam
bloqueios decisórios e paralisia governamental.
O número e a localização institucional dos veto players
moldam esse equilíbrio entre capacidade decisória e estabilidade normativa.
Arranjos institucionais situados nos extremos desse espectro —seja com vetos
excessivos ou com concentração de poder— tendem a gerar disfunções
governativas, comprometendo a estabilidade democrática, seja pela incapacidade
de adaptação institucional, seja pela facilidade de captura do sistema por
lideranças de perfil autocrático. Sistemas altamente decisivos facilitam a aprovação
rápida de mudanças —inclusive aquelas que podem fragilizar a democracia—,
tornando-se mais suscetíveis à instabilidade política. Por outro lado, sistemas
com baixa capacidade decisória, ao se depararem com impasses institucionais
recorrentes, geram paralisia e um déficit de responsividade frente às demandas
sociais.
No presidencialismo, a forte separação de poderes tende a
limitar a capacidade decisória, pois distribui o poder entre diferentes atores
institucionais, exigindo algum consenso para aprovação de políticas. Já a
separação de propósitos —a divergência de preferências políticas entre os
atores que controlam as instituições— também reduz a capacidade decisória,
dificultando-o. O inverso —o alinhamento político entre os atores
institucionais— pode resultar na hegemonia de uma única força; no limite, na
eliminação dos pontos de veto que garantem freios e contrapesos ao Executivo.
A combinação do mandato das urnas (no colégio eleitoral e
voto popular), o controle das duas casas congressuais, a maioria na Suprema
Corte, as eleições de meio de mandato em 2026, e a proibição de mais uma
reeleição gera uma estrutura de incentivos que produz o decisionismo trumpista.
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