terça-feira, 8 de abril de 2025

PANDEMIA TARIFÁRIA

Pedro Cafardo, Valor Econômico

Ainda existem os empregos que Trump quer recuperar com sua pandemia tarifária?

Trump tenta recuperar postos de trabalho da América com sua metralhadora giratória, mas o mundo acha que vai dar errado

Dani Rodrik, professor de Harvard, é um dos mais conceituados economistas do mundo, autor de uma extensa obra sobre o desenvolvimento econômico e políticas públicas. Como muitos outros colegas, está indignado com o que ocorre nos Estados Unidos nestes primeiros meses do mandato de Donald Trump, principalmente com o relativo silêncio de muitos empresários e acadêmicos sobre a tresloucada “pandemia tarifária”, talvez mais letal do que a covid-19, que ameaça o comércio e até a paz mundial. “Quando as mentes mais brilhantes do país se calam por receio de perseguição, o custo econômico e institucional tende a ser profundo”, disse Rodrik em uma entrevista.

Mas o que provoca reflexões nos meios acadêmicos desenvolvimentistas não é a posição crítica de Rodrik à política de Trump, embora ela seja relevante, mas sim a mudança em seu pensamento a respeito da importância da indústria como motor do desenvolvimento dos países.

O tema merece discussão porque, neste exato momento, o governo brasileiro adota políticas para promover a reindustrialização, e os EUA tentam, com seu tarifaço, recuperar empregos industriais perdidos.

Essas medidas estão na direção certa? Com a automação e a robotização, esses empregos ainda existem? Um trabalho acadêmico feito na UnB pelo professor José Luís Oreiro, com três alunos de doutorado (Kleydson J.G. Feio, Bruno Matelli e Isadora E.S. Quaresma), ajuda na reflexão sobre a industrialização e o desenvolvimento econômico ao destrinchar a evolução do pensamento de Rodrik.

O professor de Harvard é um adepto do desenvolvimentismo. Durante décadas, defendeu enfaticamente o papel da indústria manufatureira como motor do crescimento das economias em desenvolvimento. E considerou que as taxas de câmbio supervalorizadas seriam a principal causa da desindustrialização prematura nas economias de renda média, principalmente na América Latina.

Nos anos de 1950, 1960 e 1970, quando as políticas de substituição de importações, protecionismo e populismo macroeconômico eram as normas, os países latino-americanos tiveram forte crescimento. A partir dos anos 1990, apresentaram desempenho medíocre após a implementação das reformas liberalizantes recomendadas pelo Consenso de Washington. Com mercados mais livres, economias mais abertas e menor inflação, a América Latina cresceu em ritmo lento. Enquanto isso, as economias em desenvolvimento na Ásia, principalmente China, Índia, Coreia do Sul e Vietnã, aplicavam políticas não ortodoxas - proteção comercial, intervenções macroeconômicas e subvalorização das taxas de câmbio - e cresciam fortemente.

O câmbio desvalorizado era uma arma poderosa, porque aumentava a competitividade do produto asiático e estimulava o desenvolvimento industrial. Na América Latina, principalmente no Brasil, a agenda neoliberal abriu a economia para o comércio e para o fluxo de capital estrangeiro. Isso resultou numa enorme entrada de dólares, que valorizou as moedas domésticas no continente, um golpe fatal para a indústria, que perdeu competitividade internacional. No curto prazo, houve efeitos positivos, como redução de inflação, aumento de salários e estímulo ao consumo. No longo prazo, porém, ocorreu a desindustrialização precoce. Rodrik estimava que a adoção de uma taxa de câmbio real estaria associada a um aumento de 1,3 ponto percentual no crescimento anual do PIB per capita.

O “paper” do professor Oreiro e dos doutorandos da UnB não considera que Rodrik tenha mudado de ideia sobre o que ocorreu naquele período e sobre as terapias que recomendou. Rodrik entende que a taxa de câmbio deve ser uma variável de “política” e não “endógena”, determinada pelas forças internas de mercado. Também continua considerando importante o fator industrial para a promoção do desenvolvimento, mas sugere um regime de governança que possibilite a criação de bons empregos em diversas áreas da atividade econômica e não soluções especificas.

Para Rodrik, as políticas de desenvolvimento bem-sucedidas exigem hoje colaboração interativa entre governo e setor privado, com responsabilidades de obrigações mútuas, com diálogo contínuo, flexibilidade no estabelecimento de metas e ajustes constantes. A eficácia das políticas, portanto, dependeria mais da colaboração público-privada do que da capacidade do governo de escolher vencedores.

Rodrik sugere agora, porém, que as políticas de desenvolvimento devem ir além do foco tradicional da manufatura e considerar ações produtivas para o setor de serviços, como varejo, saúde, educação e cuidados. As conclusões do economista revelam uma evolução em resposta a forças globais transformadoras advindas de economia verde, automação, digitalização e fragmentação das cadeias globais de valor hoje colocadas no paredão de fuzilamento pelo trumpismo.

O professor Oreiro, também economista desenvolvimentista, faz algumas ressalvas ao novo pensamento de Rodrik. Ele dá ainda muita importância à indústria, porque observa não ter havido nos últimos 22 anos redução no emprego industrial no mundo, e, sim, redistribuição. Os empregos saíram da América do Norte, da Europa e da América Latina e foram para a Ásia. Na China, a indústria absorve 30% da força de trabalho, cerca de 240 milhões de pessoas.

Seja como for, Trump tenta recuperar empregos da América com sua metralhadora giratória. O mundo acha que vai dar errado.

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