Ainda existem os empregos que Trump quer recuperar com
sua pandemia tarifária?
Trump tenta recuperar postos de trabalho da América com
sua metralhadora giratória, mas o mundo acha que vai dar errado
Dani Rodrik, professor de Harvard, é um dos mais
conceituados economistas do mundo, autor de uma extensa obra sobre o
desenvolvimento econômico e políticas públicas. Como muitos outros colegas,
está indignado com o que ocorre nos Estados Unidos nestes primeiros meses do
mandato de Donald Trump, principalmente com o relativo silêncio de muitos
empresários e acadêmicos sobre a tresloucada “pandemia tarifária”, talvez mais
letal do que a covid-19, que ameaça o comércio e até a paz mundial. “Quando as
mentes mais brilhantes do país se calam por receio de perseguição, o custo
econômico e institucional tende a ser profundo”, disse Rodrik em uma
entrevista.
Mas o que provoca reflexões nos meios acadêmicos
desenvolvimentistas não é a posição crítica de Rodrik à política de Trump,
embora ela seja relevante, mas sim a mudança em seu pensamento a respeito da
importância da indústria como motor do desenvolvimento dos países.
O tema merece discussão porque, neste exato momento, o
governo brasileiro adota políticas para promover a reindustrialização, e os EUA
tentam, com seu tarifaço, recuperar empregos industriais perdidos.
Essas medidas estão na direção certa? Com a
automação e a robotização, esses empregos ainda existem? Um trabalho acadêmico
feito na UnB pelo professor José Luís Oreiro, com três alunos de doutorado
(Kleydson J.G. Feio, Bruno Matelli e Isadora E.S. Quaresma), ajuda na reflexão
sobre a industrialização e o desenvolvimento econômico ao destrinchar a
evolução do pensamento de Rodrik.
O professor de Harvard é um adepto do desenvolvimentismo.
Durante décadas, defendeu enfaticamente o papel da indústria manufatureira como
motor do crescimento das economias em desenvolvimento. E considerou que as
taxas de câmbio supervalorizadas seriam a principal causa da
desindustrialização prematura nas economias de renda média, principalmente na
América Latina.
Nos anos de 1950, 1960 e 1970, quando as políticas de
substituição de importações, protecionismo e populismo macroeconômico eram as
normas, os países latino-americanos tiveram forte crescimento. A partir dos
anos 1990, apresentaram desempenho medíocre após a implementação das reformas
liberalizantes recomendadas pelo Consenso de Washington. Com mercados mais
livres, economias mais abertas e menor inflação, a América Latina cresceu em
ritmo lento. Enquanto isso, as economias em desenvolvimento na Ásia, principalmente
China, Índia, Coreia do Sul e Vietnã, aplicavam políticas não ortodoxas -
proteção comercial, intervenções macroeconômicas e subvalorização das taxas de
câmbio - e cresciam fortemente.
O câmbio desvalorizado era uma arma poderosa, porque
aumentava a competitividade do produto asiático e estimulava o desenvolvimento
industrial. Na América Latina, principalmente no Brasil, a agenda neoliberal
abriu a economia para o comércio e para o fluxo de capital estrangeiro. Isso
resultou numa enorme entrada de dólares, que valorizou as moedas domésticas no
continente, um golpe fatal para a indústria, que perdeu competitividade
internacional. No curto prazo, houve efeitos positivos, como redução de inflação,
aumento de salários e estímulo ao consumo. No longo prazo, porém, ocorreu a
desindustrialização precoce. Rodrik estimava que a adoção de uma taxa de câmbio
real estaria associada a um aumento de 1,3 ponto percentual no crescimento
anual do PIB per capita.
O “paper” do professor Oreiro e dos doutorandos da UnB não
considera que Rodrik tenha mudado de ideia sobre o que ocorreu naquele período
e sobre as terapias que recomendou. Rodrik entende que a taxa de câmbio deve
ser uma variável de “política” e não “endógena”, determinada pelas forças
internas de mercado. Também continua considerando importante o fator industrial
para a promoção do desenvolvimento, mas sugere um regime de governança que
possibilite a criação de bons empregos em diversas áreas da atividade econômica
e não soluções especificas.
Para Rodrik, as políticas de desenvolvimento bem-sucedidas
exigem hoje colaboração interativa entre governo e setor privado, com
responsabilidades de obrigações mútuas, com diálogo contínuo, flexibilidade no
estabelecimento de metas e ajustes constantes. A eficácia das políticas,
portanto, dependeria mais da colaboração público-privada do que da capacidade
do governo de escolher vencedores.
Rodrik sugere agora, porém, que as políticas de
desenvolvimento devem ir além do foco tradicional da manufatura e considerar
ações produtivas para o setor de serviços, como varejo, saúde, educação e
cuidados. As conclusões do economista revelam uma evolução em resposta a forças
globais transformadoras advindas de economia verde, automação, digitalização e
fragmentação das cadeias globais de valor hoje colocadas no paredão de
fuzilamento pelo trumpismo.
O professor Oreiro, também economista desenvolvimentista,
faz algumas ressalvas ao novo pensamento de Rodrik. Ele dá ainda muita
importância à indústria, porque observa não ter havido nos últimos 22 anos
redução no emprego industrial no mundo, e, sim, redistribuição. Os empregos
saíram da América do Norte, da Europa e da América Latina e foram para a Ásia.
Na China, a indústria absorve 30% da força de trabalho, cerca de 240 milhões de
pessoas.
Seja como for, Trump tenta recuperar empregos da América com
sua metralhadora giratória. O mundo acha que vai dar errado.
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