A investida da Casa Branca foi recebida com temor e
passividade
O New York Times registrou as agressões de Donald Trump às
universidades norte-americanas: “O governo (…) transformou promessas de
campanha de atacar universidades em ações devastadoras, retirando
centenas de milhões em fundos federais da Universidade
Columbia e da Universidade da Pensilvânia.”
Essa investida do Doido Trump foi recebida com temor e
passividade balbuciante pelos gestores das universidades atacadas. A reportagem
do Times assinala que, nos últimos meses, Harvard se moveu cautelosamente,
buscando um acordo e reprimindo a liberdade de expressão. A passividade
adaptativa “irritou alguns que temiam que Harvard estivesse capitulando em um
momento de autoritarismo crescente”.
As manifestações de estudantes e
professores em defesa da Palestina foram inquinadas de “antissemitismo”.
Ironias da história: o antissemitismo do regime nazista se associou à
intervenção de Hitler nas universidades alemãs. Entre tantas capitulações
ilustres, encontramos o filósofo Martin Heiddeger. O historiador Bob Kowalski
escreveu A Ruina do Ser: Heidegger e o Nazismo. O título do livro faz
referência à obra de Heiddeger, O Ser e o Tempo. (Não é temerário suspeitar que
os tempos do nazismo esmagaram o Ser). Kowalski relata em seu livro que em
“1933, pouco após Adolf Hitler chegar ao poder, Heidegger assumiu o cargo de
reitor da Universidade de Freiburg e se filiou ao Partido Nazista, adotando
publicamente posições alinhadas com o regime. Seu discurso de posse como
reitor, conhecido como o Discurso do Reitorado, refletiu um tom nacionalista e
fez uso de uma linguagem que exaltava a ‘grandeza’ do espírito alemão, algo que
muitos interpretaram como um endosso ideológico ao nazismo”. Na vigência de seu
reitorado, Heidegger impôs decisões alinhadas com os propósitos de Hitler.
Entregou sua carreira acadêmica e sua reputação aos sicários do
nacional-socialismo. O filósofo renunciou ao reitorado em 1934, sob o guante de
pesados ataques à sua reputação.
Heidegger concordava com os princípios políticos que guiavam
o nacional-socialismo. Saudou a unidade política do povo construída nos
arcabouços da ditadura. Era notório o menosprezo de Heiddeger à democracia de Weimar.
Assim, diz o seu biógrafo, Rudiger Safranski, ele não sentia repulsa pela
eliminação violenta da oposição política.
Nos regimes totalitários, os indivíduos executam os
processos descritos por Franz Neumann, em Behemoth, seu livro clássico sobre o
nazismo: “Aquilo contra o que os indivíduos nada podem e que os nega é aquilo
em que se convertem”. O que aparece sob a forma farsista de um conflito entre o
bem e o mal está objetivado em estruturas que enclausuram e deformam as
subjetividades exaltadas. A indignação individualista, a raiva contra os
opositores e os arroubos moralistas são expressões da impotência que, não raro,
se metamorfoseia em desvario autoritário.
Trump e seu discípulo Jair Messias são fiéis pastores de
seus crentes. São fiéis a seus fiéis. Para um contingente parrudo de
norte-americanos e brasileiros, não importam os deslizes de seus Deuses e
Messias. Importa, sim, que os Escolhidos insistam e persistam na afirmação das
crenças, ideologias, visões do mundo, valores que refletem os ressentimentos
dos súditos maltratados pelas frustrações e misérias da vida.
O totalitarismo nasceu das entranhas da sociedade
dilacerada, como a alemã dos anos 1930, provocando a derrocada do Estado
liberal no qual o exercício do poder está regulado pela lei. No nazismo, o
poder está concentrado nas mãos do Führer. Como mostra o filme de Lucchino
Visconti, Os Deuses Malditos, o nazismo não realizou a estatização da economia
e da sociedade, mas a privatização do Estado. Os interesses de grupos privados
se apoderam diretamente do setor público. Alguma semelhança com a ocupação do Estado
norte-americano por Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, entre outros?
No livro A Ordem do Dia, Eric Vuillard discorre sobre a
reunião convocada por Göring com os pesos-pesados da indústria alemã. A reunião
embalou uma mensagem: era preciso acabar com o regime fraco de Weimar, afastar
a ameaça comunista, eliminar sindicatos e permitir que cada empresário fosse o
Führer de sua própria empresa. A atividade econômica, acentuou Göring, exige
calma e estabilidade. Os 24 cavalheiros assentiram solenemente. E se o Partido
Nazista ganhasse a maioria, acrescentou Göring, estas seriam as últimas
eleições por dez anos – até mesmo, aclamou ele com uma risada: por cem
anos.
Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09
de abril de 2025.
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