sábado, 5 de abril de 2025

TRUMP ATACA AS UNIVERSIDADES

Luiz Gonzaga Belluzzo, Carta Capital

A investida da Casa Branca foi recebida com temor e passividade

O New York Times registrou as agressões de Donald Trump às universidades norte-americanas: “O governo (…) transformou promessas de campanha de atacar universidades em ações devastadoras, retirando centenas de milhões em fundos federais da Universidade Columbia e da Universidade da Pensilvânia.”

Essa investida do Doido Trump foi recebida com temor e passividade balbuciante pelos gestores das universidades atacadas. A reportagem do Times assinala que, nos últimos meses, Harvard se moveu cautelosamente, buscando um acordo e reprimindo a liberdade de expressão. A passividade adaptativa “irritou alguns que temiam que Harvard estivesse capitulando em um momento de autoritarismo crescente”.

As manifestações de estudantes e professores em defesa da Palestina foram inquinadas de “antissemitismo”. Ironias da história: o antissemitismo do regime nazista se associou à intervenção de ­Hitler nas universidades alemãs. Entre tantas capitulações ilustres, encontramos o filósofo Martin Heiddeger. O historiador Bob Kowalski escreveu A Ruina do Ser: Heidegger e o Nazismo. O título do livro faz referência à obra de Heiddeger, O Ser e o Tempo. (Não é temerário suspeitar que os tempos do nazismo esmagaram o Ser). Kowalski relata em seu livro que em “1933, pouco após Adolf Hitler chegar ao poder, Heidegger assumiu o cargo de reitor da Universidade de Freiburg e se filiou ao Partido Nazista, adotando publicamente posições alinhadas com o regime. Seu discurso de posse como reitor, conhecido como o Discurso do Reitorado, refletiu um tom nacionalista e fez uso de uma linguagem que exaltava a ‘grandeza’ do espírito alemão, algo que muitos interpretaram como um endosso ideológico ao nazismo”. Na vigência de seu reitorado, Heidegger impôs decisões alinhadas com os propósitos de ­Hitler. Entregou sua carreira acadêmica e sua reputação aos sicários do nacional-socialismo. O filósofo renunciou ao reitorado em 1934, sob o guante de pesados ataques à sua reputação.

Heidegger concordava com os princípios políticos que guiavam o nacional-socialismo. Saudou a unidade política do povo construída nos arcabouços da ditadura. Era notório o menosprezo de ­Heiddeger à democracia de ­Weimar. Assim, diz o seu biógrafo, ­Rudiger ­Safranski, ele não sentia repulsa pela eliminação violenta da oposição política.

Nos regimes totalitários, os ­indivíduos executam os processos descritos por Franz Neumann, em Behemoth, seu livro clássico sobre o nazismo: “Aquilo contra o que os indivíduos nada podem e que os nega é aquilo em que se convertem”. O que aparece sob a forma farsista de um conflito entre o bem e o mal está objetivado em estruturas que enclausuram e deformam as subjetividades exaltadas. A indignação individualista, a raiva contra os opositores e os arroubos moralistas são expressões da impotência que, não raro, se metamorfoseia em desvario autoritário.

Trump e seu discípulo Jair Messias são fiéis pastores de seus crentes. São ­fiéis a seus fiéis. Para um contingente parrudo de norte-americanos e brasileiros, não importam os deslizes de seus Deuses e Messias. Importa, sim, que os Escolhidos insistam e persistam na afirmação das crenças, ideologias, visões do mundo, valores que refletem os ressentimentos dos súditos maltratados pelas frustrações e misérias da vida.

O totalitarismo nasceu das entranhas da sociedade dilacerada, como a alemã dos anos 1930, provocando a derrocada do Estado liberal no qual o exercício do poder está regulado pela lei. No nazismo, o poder está concentrado nas mãos do Führer. Como mostra o filme de ­Lucchino Visconti, Os Deuses Malditos­, o nazismo não realizou a estatização da economia e da sociedade, mas a privatização do Estado. Os interesses de grupos privados se apoderam diretamente do setor público. Alguma semelhança com a ocupação do Estado norte-americano por Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, entre outros?

No livro A Ordem do Dia, Eric Vuillard discorre sobre a reunião convocada por Göring com os pesos-pesados da indústria alemã. A reunião embalou uma mensagem: era preciso acabar com o regime fraco de Weimar, afastar a ameaça comunista, eliminar sindicatos e permitir que cada empresário fosse o Führer de sua própria empresa. A atividade econômica, acentuou Göring, exige calma e estabilidade. Os 24 cavalheiros assentiram solenemente. E se o Partido Nazista ganhasse a maioria, acrescentou Göring, estas seriam as últimas eleições por dez anos – até mesmo, aclamou ele com uma risada: por cem anos. 

Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.

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