Responsabilizar plataformas e proteger os jovens são os
novos desafios das democracias
A doutrina da democracia militante foi concebida nos anos
1930, como reação à ascensão dos movimentos extremistas na Europa.
De acordo com Karl Loewenstein, precursor do conceito, o
fascismo não consistia propriamente em uma ideologia política. Era, sobretudo,
um movimento que mobilizava o ressentimento e o medo para inocular o ódio
contra os adversários. Nesse contexto, a política deixou de ser praticada como
uma competição cooperativa entre adversários, baseada na divergência tolerante,
para se transformar numa disputa existencial entre inimigos.
Uma outra característica dos extremismos populistas era o
emprego oportunista das franquias democráticas, como a liberdade de expressão,
o direito de associação e o direito ao voto, com a finalidade de suprimi-las ou
subvertê-las. É conhecida a ironia de Goebbels ao se referir à democracia como
o único regime que "garante aos seus inimigos mortais os meios de
destruí-la".
Para alguns autores, como Lawrence Lessig,
professor da Escola de Direito de Harvard e considerado um dos fundadores dos
estudos no campo do direito digital, as redes sociais, apesar de todos os
ganhos que trouxeram, têm contribuído para o surgimento de uma nova era de
polarização, irracionalidade e ódio, que mais uma vez ameaçam os regimes
democráticos.
Com o declínio de diversos mecanismos responsáveis pelas
agregações de interesses, formação da vontade da coletividade e solução de
conflitos, como partidos, sindicatos, meios tradicionais de comunicação e os
próprios parlamentos, as redes sociais têm assumido um papel cada vez mais
central na construção de identidades e mobilização da opinião pública.
O problema, alerta Lessig, é que o modelo de negócios das
redes, ou seja, a forma de gerarem lucro, é promovendo um engajamento cada vez
mais intenso dos usuários. As redes competem por atenção. A forma mais fácil de
gerar engajamento é colocar seus algoritmos para mobilizar nossos instintos
mais primitivos e tribais, como o medo, o ressentimento, a identidade, assim
como o escatológico e o bizarro.
Nesse contexto, o debate racional, a tolerância e mesmo a
moderação, promovidos pelos meios tradicionais de organização da política,
ainda que imperfeitos, cedem espaço para uma fragmentada guerra de narrativas
que fomenta a desconfiança e uma polarização de natureza visceral.
Assim como partidos extremistas (do passado e do presente),
muitas plataformas (algumas se transformaram em partidos digitais) também se
beneficiam das franquias da democracia apenas para realizar seus interesses,
independentemente das consequências para a comunidade.
O grande desafio das democracias contemporâneas é conviver e
sobreviver nesse ecossistema informacional. Se nos regimes autoritários as
redes são empregadas como mecanismo de dominação do Estado, em muitas
democracias são os interesses das plataformas que passaram a subordinar a vida
política.
O Congresso Nacional, em vez de despender tanta energia para
tentar anistiar aqueles que atentam contra a democracia, deveria estar se
debruçando sobre a regulação das redes, assim como da inteligência artificial,
de forma a contribuir para o fortalecimento de nossa democracia.
Todos sabem que não é uma tarefa fácil. A ambição de aprovar
uma ampla regulação talvez seja inviável e indesejável. Mas certamente há
pontos, como a responsabilização das plataformas pelo impulsionamento de certos
conteúdos ou a proteção das crianças e adolescentes no ecossistema
informacional, que poderiam obter certo consenso.
Esse o novo desafio daqueles que militam pela democracia.


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