É preciso lembrar de Francisco, que preferia pontes a
muros
Durante a missa de corpo presente do papa Francisco,
Giovanni Batista Re, o cardeal decano do Vaticano, lembrou uma frase do
pontífice argentino, para quem era “preciso construir pontes, não muros”. Não
demorou para que a frase fosse interpretada como recado a Donald Trump, ali na
primeira frente do velório. A homilia de Re, a rigor, aplicava-se a todos os
presentes, porque a democracia pode ter cunho nacional, mas o humanismo é
universal. Reafirme-se: a política anti-imigrantes não é exclusividade de Trump.
Em 2011, Barack Obama disse não haver presidente dos Estados Unidos “que possa
governar pensando no mundo todo; seu dever é com os americanos”. Alguns agem
com menos alarde, até constrangidos, mas essa é a regra. Os europeus não
constroem muros porque têm o Mediterrâneo para barrar os indesejáveis e
aprisionar os sobreviventes de naufrágios.
Se não é o caso de barrar quem vem de fora,
em países de menor fluxo migratório, dá-se outra modalidade de preconceito,
contra os que não têm o passaporte do dinheiro ou cartão de crédito. No Brasil,
quase todo condomínio tem um porteiro que age como “guarda de fronteira
doméstico”, esperando o visto de autorização dado por algum morador. Cada
portaria de prédio é um serviço de imigração e cada morador de apartamento, um
“pequeno Trump” protegendo discretamente seu patrimônio.
“O eleitor usa a democracia para realizar os desejos
imediatos, e não pensar no futuro da humanidade”
No futuro, é muito provável que
despontem outras famílias de pessoas fadadas à diáspora, como os exilados
ambientais. As novas gerações, para sobreviver com dignidade, precisarão de um
meio ambiente equilibrado. No entanto, tudo indica um amanhã inviável, a
depender do que cantam as autoridades de hoje. Ao incentivar o uso de
combustíveis fósseis, de urgência, porque a energia limpa é mais trabalhosa,
fecham os olhos aos danos que podem ser provocados. Dão de ombros para a
elevação dos mares, a atmosfera poluída, a natureza devastada. Querem o voto do
eleitor ali ao lado, o sujeito que pensa apenas na gasolina mais barata no
posto. Pensam no aqui e agora, e ponto. São como “Trumps discretos”. Se puderem
resolver o problema da hora, que se lixem os riscos de futuro, para nossos
filhos e os filhos de nossos filhos.
O eleitor usa a democracia, sem a qual não existiríamos,
para realizar os desejos imediatos — pessoais, familiares, de um país, mas não
do planeta, a longo prazo. A maioria não vota para eleger humanistas solidários
com o imigrante, seja o geográfico, que vem do exterior, seja o social, que vem
da periferia, nem o “imigrante geracional”, que ainda nem nasceu.
Por isso, a principal tarefa dos humanistas deve ser a
educação dos eleitores, de modo a superar a visão de que o “mundo é a soma de
países”, e passem a ver “cada país como um pedaço do mundo”. É a única saída
viável para o fortalecimento das democracias, em permanente controle do consumo
e atenção aos limites da sustentabilidade. O humanismo, no presente, é isso,
independentemente do pendor ideológico. Um caminho é evitar a eleição de quem
anda na contramão, sejam Trumps, sejam outros que estavam na missa em Roma. O
novo papa, Leão XIV, felizmente bebe das mesmas ideias de Francisco, como o
incentivo a pontes, no avesso dos muros.


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