O ideólogo do trumpismo colocou Lula, Putin e Xi no mesmo
balaio num momento em que o presidente brasileiro faz turnê por Rússia e China
Steve Bannon foi taxativo ao “Financial Times”: “Donald
Trump vai se recandidatar e vai ganhar”. A capacidade preditiva do ideólogo do
trumpismo escalou quando ele apostou, duas semanas antes do conclave, na
escolha de Robert Prevost para papa. O recuo na guerra comercial só viria dois
dias depois, mas Bannon, mesmo sem tratar dela, também pareceu premonitório.
A guerra comercial foi, até aqui, um dos fatores mais
determinantes para que Trump tenha chegado aos 100 dias com a mais baixa
popularidade dos últimos 80 anos. Não tende a ser visto internamente como o
provocador de muito barulho por nada, mas como um presidente que, frente às
evidências, foi capaz de recuar e devolver otimismo aos agentes econômicos.
Bannon colocou Xi Jiping, Vladimir Putin e Luiz Inácio Lula
da Silva no mesmo balaio: “Xi, Lula e Putin são uma aliança ruim. Eles não se
cruzam com Trump. Eles não vão ajudar com a Ucrânia. Eles vão fazer o que
estiver no interesse deles”. Não é uma visão exclusiva de Bannon. A ideia de
que o Brasil seja visto como parte dessa aliança foi o que levou conselheiros
deste governo a sugerir que o país voasse baixo para aproveitar oportunidades
sem cutucar a onça com a vara curta.
A delegação que veio ao Brasil para
discutir com o Ministério da Justiça o enquadramento de facções criminosas como
o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho como terroristas é rugido de
onça. O carimbo encurtaria caminho para sanções americanas.
Da segunda parte da turnê de Lula entre aliados que
desgostam o ideólogo trumpista ainda não se tem o resultado final, visto que a
assinatura de acordos acontecerá depois de reunião de Lula com Xi nesta terça.
O encontro está sendo acompanhado por toda a imprensa mundial, particularmente
a americana.
O “The New York Times” trouxe a declaração de um integrante
da chancelaria chinesa sobre as pretensões de Trump junto na região: “O que os
povos da América Latina e do Caribe estão buscando é independência e
auto-determinação, não a chamada ‘nova doutrina Monroe’”.
O diplomata chinês não se limitou a definir o interesse
chinês no encontro mas avançou sobre o que venha a ser o interesse região.
Trata-se, porém, de um porta-voz indesejado. Junta-se a declarações da
delegação brasileira de que a China, com os acordos desta terça, “vão rasgar o
Brasil com estradas”. Compõe o pacote “cutucar a onça”.
Daquilo que foi anunciado nesta segunda, ainda não se
identificam investimentos que venham a justificar o risco de tamanha exposição.
Depois que, no fim de 2024, 163 operários chineses da BYD na Bahia foram
resgatados em condições análogas à escravidão, os novos investimentos
automotivos ainda terão que provar que se darão em outras bases. Também terá
que se aguardar se o investimento em energia renovável não é desova da
superprodução de equipamentos da China. Há um investimento do qual não se pode
duvidar que venha a gerar empregos, o da empresa que vai chegar para competir
como Ifood, ainda que não seja esse tipo de emprego que vai redimir a juventude
nacional.
É a primeira parte da turnê, porém, que abre mais espaço
para o carimbo que Bannon quer impor sobre o Brasil. O Palácio do Planalto
busca envelopar a ida de Lula a Moscou como parte dos esforços do país pela paz
na Ucrânia, a despeito de o presidente brasileiro ter assistido a uma parada em
que Vladimir Putin exibiu, juntamente com tropas chinesas, todo seu poderio
bélico. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, lá estava, mas o
Itamaraty não soltou uma única nota sobre o encontro.
Na mensagem pública dirigida à delegação brasileira durante
encontro no Kremlin, Putin não falou de Ucrânia. Na reunião, com 12 de cada
lado, Lula incluiu, entre diplomatas e parlamentares, o CEO da Minerva.
Valeu-se de explicação tão inusitada quanto a presença de um único empresário:
“Temos na nossa delegação um proeminente empresário que se aproximou de mim no
Brasil e perguntou: Você vai à Rússia? Gostaria de acompanhá-lo porque sou o
principal exportador de carne para a Rússia. Tive o prazer de convidar o sr.
Fernando Queiroz para se juntar à nossa delegação e gostaria de aproveitar esta
oportunidade para apresentá-lo, presidente”.
É possível que, daqui a um mês, quando Lula for à França
para mais um encontro com Macron, possa resgatar o discurso de que o
investimento da diplomacia presidencial, na verdade, é pelo multilateralismo.
Em seguida, porém, o Brasil sediará o encontro dos Brics, outro caroço de angu
para a diplomacia americana.
A paz na Ucrânia ainda desafia Trump, mas o presidente
americano embarca nesta terça para o Oriente Médio, onde pode vir a fechar um
acordo que leve o Irã a recuar de seu programa nuclear. A hipótese, ainda
incerta, de que venha a ser bem-sucedido, abre a possibilidade de um êxito que
ecoaria na política doméstica e no mundo, a minimizar a hostilidade que tem
despertado.
Bannon define o que está em curso como “a era Trump”, que
ainda está muito longe de se acabar e terá pinceladas marcadamente populistas
com mais deportação e enfrentamento de corporações. É esta era que a turnê de
Lula parece desafiar. Resta a expectativa de que a bola de cristal de Bannon
tenha se quebrado depois de Prevost.


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