O Itamaraty evita alianças formais que possam ser
interpretadas como alinhamento geopolítico. A adesão formal ao projeto da China
seria politicamente disruptiva
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim, a
convite do presidente chinês, Xi Jinping, compensa em muito o desgaste causado
por sua participação nas comemorações do Dia da Vitória em Moscou, como um dos
convidados de honra do presidente Vladimir Putin. Enquanto a passagem por
Moscou foi marcada por críticas da oposição no Brasil e um inegável desgaste
político junto às chancelarias europeias, aliadas do presidente da Ucrânia,
Volodymir Zelensky, o encontro com dirigentes e executivos chineses marcou,
informalmente, a integração do Brasil à chamada Nova Rota da Seda, o ambicioso
projeto comercial e logístico da China.
Lula viajou ao país acompanhado de 11
ministros e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), além de
parlamentares e cerca de 200 empresários. Nesta terça-feira, Lula deve se
reunir com o presidente chinês, Xi Jinping. Segundo o presidente da Agência
Brasileira de Promoção de Exportações (ApexBrasil), Jorge Viana, após um fórum
entre empresários brasileiros e chineses em Pequim, a China pretende investir
R$ 27 bilhões em novos projetos por aqui. O Brasil não participa formalmente da
Nova Rota da Seda, porém, como naquele velho ditado espanhol ("No creo en
brujas, pero que las hay, las hay"), está cada vez mais integrado às suas
cadeias de valor e logística.
Lula aproveitou o lusco-fusco da guerra comercial entre os
Estados Unidos e a China, antes que as negociações entre os dois governos
fossem retomadas, para atrair investimentos chineses. Com o anúncio de uma
trégua de 90 dias na guerra tarifária entre os dois países, porém, esses
investimentos podem não ter a mesma urgência. Os Estados Unidos são nossos
concorrentes na exportação de alimentos para a China. Mesmo assim, o cenário é
muito positivo, porque um acordo tarifário entre as duas maiores potências econômicas
afasta o risco de uma recessão global, o grande temor dos investidores, e isso
favorece o Brasil.
A grande novidade do portfólio de investimentos anunciado
pelo governo é a escala dos projetos: R$ 6 bilhões da Great Wall Motors (GWM),
uma das maiores montadoras chinesas, para "expansão de suas
operações" no Brasil; R$ 5 bilhões da Meituan, plataforma chinesa de
delivery que quer atuar no Brasil com o app "Keeta" e prevê gerar até
4 mil empregos diretos e 100 mil indiretos; R$ 3 bilhões da estatal chinesa de
energia nuclear CGN para construir um "hub" de energia renovável
(eólica e solar) no Piauí; R$ 5 bilhões da Envision para construir um parque
industrial "net-zero" (neutro em emissões de carbono), com foco em
SAF (Combustível Sustentável de Aviação), hidrogênio verde e amônia verde.
Além desses investimentos, segundo Viana, estão previstos R$
3,2 bilhões da rede de bebidas e sorvetes Mixue, que deve começar a operar no
Brasil e espera gerar 25 mil empregos até 2030; R$ 2,4 bilhões do grupo
minerador Baiyin Nonferrous, que anunciou a compra da mina de cobre Serrote, em
Alagoas; a empresa DiDi, que opera no Brasil por meio da empresa de transporte
99, pretende expandir a operação no setor de delivery e construir 10 mil pontos
públicos de recarga para veículos elétricos; e a Longsys deve aportar R$ 650
milhões para ampliar a capacidade produtiva de fábricas de semicondutores em
São Paulo e Amazonas.
Interesses estratégicos
Há, ainda, outros negócios em vista, como a parceria da
Nortec Química com a Acebright, Aurisco e Goto Biopharm para construção de
plataforma industrial de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) no Brasil, no
valor de R$ 350 milhões; a promoção do café brasileiro com a Lickin Coffe; do
cinema brasileiro com a Huaxia Film; e de produtos nacionais no varejo chinês
com a Hotmaxx. A China saltou da 14ª para a 5ª posição no ranking de
investimento direto no Brasil em 10 anos, com um estoque de mais de US$ 54 bilhões.
A relação entre o Brasil e a chamada Iniciativa do Cinturão
e Rota da China (Belt and Road Initiative - BRI) é uma questão estratégica
complexa. Lançada em 2013 por Xi Jinping, a Iniciativa do Cinturão e Rota é um
megaprojeto geopolítico e econômico da China, que visa ampliar sua influência
global por meio de investimentos em infraestrutura, portos, ferrovias e
energia, conectando Ásia, Europa, África e América Latina. Essa ambição é uma
das causas da forte reação protecionista do novo presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump. Ao contrário de países vizinhos, como Argentina, Chile, Peru e
Venezuela, o Brasil não aderiu formalmente ao projeto e procura manter uma
posição equidistante entre a China e os Estados Unidos e de aproximação com a
União Europeia, que é responsável pelo maior volume de investimentos
estrangeiros no Brasil.
O Itamaraty, historicamente, evita alianças formais que
possam ser interpretadas como alinhamento geopolítico. Uma adesão formal ao BRI
seria disruptiva para a nossa política externa. Além disso, as experiências de
países da África e Ásia com a China recomendam cautela quanto ao endividamento
excessivo. A China tem interesses estratégicos no Brasil nas áreas de
mineração(Vale) e agronegócio (soja e carne, principalmente), de
infraestrutura, principalmente ferrovias (Ferrogrão e Bioceânica ), portos (São
Luís, Santos, Paranaguá e Itaguaí); e energia elétrica, setor no qual já
controla parte da geração e distribuição, como no caso da CPFL, da State Grid,
e Belo Monte. Na tecnologia, a Huawei lidera a infraestrutura 4G e 5G em
parceria com operadoras locais. A China Development Bank e o Banco do Brics
(NDB) já financiam grandes investimentos.


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