Filho de José Alencar, vice de Lula de 2003 a 2010, Josué
Gomes afirma que petista precisa dialogar mais
O presidente
da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Josué Gomes da
Silva, diz à Folha que o Brasil precisa de um novo Plano Real para
resolver a expansão das despesas do Orçamento, cortar incentivos corporativos e
permitir a redução das taxa
de juros para um patamar civilizado.
"O que frustra é ver um debate eleitoral antecipado.
Não digo que é um lado só. O pior é que vemos, a portas fechadas, muitas vezes
as pessoas se recusando a debater, porque querem só resolver o problema de 2025
e 2026 para ver o que acontece a partir de 2027", afirma.
Filho de José Alencar, vice-presidente nos governos Lula 1 e 2, o
empresário dono do grupo têxtil Coteminas diz que o chefe do Executivo precisa
fazer o que sabe: dialogar mais.
Citado em eleições passadas como vice dos sonhos e convidado
para ser o ministro da Indústria no
início do terceiro mandato de Lula, o empresário nega planos políticos e diz
que deixa o comando da entidade neste ano com perfil ultraliberal. Ele defende
isonomia de condições para todas as empresas e setores e vê necessidade de
repensar as regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Qual é a saída para a crise
gerada pelo decreto de alta do IOF?
Há um consenso de que tem que ser feito um ajuste, mas não
de como fazê-lo. Cada um quer defender o seu quinhão, ninguém abre mão de nada.
Estou estendendo [a avaliação] às lideranças empresariais, porque na busca pela
sobrevivência, muitas vezes, os diversos segmentos buscam benefícios. Mas, às
vezes, [eles] vão sendo prorrogados de maneira indefinida e já não trazem mais
o mesmo impacto econômico. Tudo precisa ser revisto.
Está todo mundo cansado de uma carga tributária, que, para o
nível de desenvolvimento do Brasil, é alta. O Plano Real deixou uma tarefa
inacabada, que é justamente o ajuste das contas públicas. Os desequilíbrios só
se acumularam de lá para cá.
Como seria possível mudar esse quadro?
Se nós, como sociedade, nos sentarmos em torno de uma mesa,
como fizemos no Plano Real. Havia um consenso na sociedade que precisávamos
debelar a hiperinflação. Depois de várias tentativas, a sociedade acabou
reconhecendo a importância, e tivemos sucesso. Precisamos de um novo Plano Real
para resolver a questão das contas públicas e trazer os juros para um patamar
civilizado, porque com taxa
de juros real de 10% [9,53% ao ano] é impossível que a economia
funcione bem. Ela não é, de forma isonômica, distribuída para todos.
Como assim?
Conseguimos criar uma meia-entrada para alguns. Por exemplo,
o Congresso derrubou alguns vetos que impactam fortemente o preço da
energia. É fácil, né? Pega e passa a conta para o outro. O impacto
econômico adverso ninguém mede. Vai ter forte perda de competitividade na
indústria, porque você está trazendo benefícios para alguns segmentos. A conta
é paga por terceiros.
De recado em recado da briga entre grupos políticos, o
Brasil vai ficando com uma conta que vai tolhendo o nosso crescimento. Estamos
nos empobrecendo. O Brasil hoje está tomado por corporações. Não é só de
funcionários públicos.
As corporações empresariais também, inclusive aquela do
estado mais rico do país, da qual o sr. é uma liderança?
É verdade. Estamos passando a conta para outros setores ou
para todos da sociedade, porque colocamos custos no Orçamento público que são
impagáveis. O dinamismo da economia vai diminuindo. Se a gente não encontrar,
como encontramos lá no Plano Real, uma forma de resolver isso, vai ser difícil
o Brasil crescer. Todos nós, brasileiros, estamos frustrados com essa situação
atual.
As propostas de pacto não avançaram. Por que seria
diferente agora?
Winston Churchill dizia que os americanos sempre faziam a
coisa certa depois de tentar todas as alternativas anteriores. O Brasil parece
que puxou essa característica. Temos que reconhecer que, no passado, a
Presidência tinha um poder muito maior do que hoje. O Legislativo tem muito
poder, mas pouca responsabilidade.
Os impactos das decisões tomadas pelo Legislativo não caem
sobre ele. No Judiciário, então, nem se fala. Sou defensor do sistema em que a
gente dê mais responsabilidade ao Legislativo. O grande problema é ele ter todo
o poder que tem, sem ter a responsabilidade pelos atos.
Especialistas e lideranças políticas apontam a
necessidade de medidas estruturantes, mas elas não foram apresentadas nem pelo
governo Lula nem pelo Congresso.
Cabe aos poderes políticos eleitos no Brasil tomarem a
decisão. A sociedade pode estar ao lado apoiando as medidas. Não acho que a
luta por um equilíbrio fiscal imediato é a adequada. Temos que ter uma
sustentabilidade das contas públicas, uma redução ao longo de dez anos. Podemos
fazer de maneira que a relação dívida/PIB caia, e também a carga tributária.
Tem três rubricas grandes no Orçamento. Uma delas é a de juros. Nos últimos dez
anos, o Brasil pagou de juros R$ 5,3 trilhões.
[Tem também] as transferências de renda que somaram cerca de
R$ 1,5 trilhão. Parte dessas transferências de renda é indexada a ganhos reais.
A indexação à inflação é natural. Em lugar nenhum do mundo, em geral, se usa
essas transferências de renda indexadas a ganhos reais. Rever a indexação a
ganho real de transferência de renda é uma coisa que a sociedade precisa
discutir sob pena de daqui a dez anos não termos como pagar. Tem também cerca
de R$ 1 trilhão de gastos tributários, que são subsídios e programas de
incentivos. Essas três rubricas precisam ser discutidas.
O empresário Ricardo Faria, conhecido como "rei do
ovo", disse
à Folha que é difícil contratar no Brasil porque há viciados
no Bolsa
Família. Críticos falaram que ele quer o capitalismo selvagem.
O Ricardo Faria é um craque, um grande empresário. Para nós,
empresários, é muito intuitivo achar que hoje você não consegue trabalhadores
de carteira assinada porque eles estão vivendo com o Bolsa Família. Ficamos
surpresos quando ouvimos um pesquisador do Insper [Rodrigo Soares] dizer que o
impacto no mercado de trabalho formal de carteira assinada é menor do que nós
costumamos imaginar.
Há um conjunto de fatores que leva hoje à menor oferta, à
menor disposição dos trabalhadores de estarem assinando carteira. Temos que
repensar o conjunto de regras da CLT, sem retirar direito de ninguém, porque os
jovens não querem mais isso. No campo do trabalho, existem hoje claramente dois
mercados de trabalho cujas regras não são isonômicas.
A Fiesp sempre foi vista como uma entidade muito
poderosa. As entidades patronais perderam influência? O agro parece ter mais
influência.
A indústria de transformação já representou um percentual do
PIB muito maior. Já fomos quase 27% do PIB e hoje somos 11%. É natural uma
redução da capacidade de influência. O agro é uma potência e um orgulho
nacional. O Brasil tem empresários no agro espetaculares, mas o agro tem duas
coisas que são muito boas: baixo custo tributário e uma condição creditícia
muito favorável. Mas isso não tira o mérito deles. Se criarmos uma solução
isonômica para todos, seria ótimo.
A guerra
entre Israel e Irã impacta o Brasil?
É mais uma razão para não adiarmos as soluções para os
nossos problemas. O que frustra é ver um debate eleitoral antecipado. Não digo
que é um lado só. O pior é que vemos, a portas fechadas, muitas vezes as
pessoas se recusando a debater, porque querem só resolver o problema de 2025 e
2026 para ver o que acontece a partir de 2027. Ou seja, em vez de trazer uma
solução definitiva que nos ganha tempo, vamos empurrar com a barriga. Por que
já não discutimos hoje? O cenário internacional está muito conturbado. Temos
que fazer o nosso dever de casa.
O sr. sempre foi visto no meio empresarial como uma
liderança conectada ao presidente Lula. Como avalia o governo dele?
Tenho grande gratidão ao presidente, porque ele, de fato, se
tornou muito próximo do papai, mesmo depois que eles deixaram o Palácio. Se o
presidente estivesse fazendo mais o que ele melhor sabe fazer, que é dialogar
com mais tempo com as pessoas, seguramente estaria com uma avaliação melhor.
Eu tenho o privilégio de conversar com ele de vez em quando,
mas nem todos têm. O Lula, quando conversa, tem uma capacidade de percepção, de
avaliação muito grande, consegue ter muito mais informações do que se passa,
como também ele tem uma capacidade enorme de convencer as pessoas. O governo
ganhou a eleição, mas tem minoria no Congresso. Esse diálogo é fundamental.
Ficamos frustrados porque o momento geopolítico poderia
estar favorecendo o crescimento do Brasil. Um acordo das lideranças e dos três
Poderes é fundamental para o Brasil dar um salto de qualidade, não esperar um
ano e meio para só em 2027 tentarmos fazer o dever de casa.
O sr. teve dificuldades na Fiesp com grupos tentando
destituí-lo da presidência. O ex-presidente Paulo Skaf é
candidato único na chapa das próximas eleições e volta ao comando. Como vê o
retorno dele?
Tem o Maga
nos Estados Unidos, o Make America Great Again [Faça a América Grande
Novamente]. Aqui nós temos o Mega, que é o Make the Entity Great Again [Faça a
entidade grande novamente]. O movimento do Mega talvez ideologicamente tenha
diferenças de visão de mundo em relação às que tenho. É o direito deles.
Sou a favor da alternância. Antes da minha eleição, falei
que eu só ficaria um mandato. Uma coisa a que eu me dediquei muito foi tentar
ajudar a educação pública do estado. A Nova Indústria Brasil surgiu de debate
também da Fiesp.
Acha que o Mega é o atraso?
Não acho. O Mega é o Mega. Um líder do Mega falou que a
entidade tem que voltar a ser grande. Eu lembrei da expressão do presidente
Trump e do Maga, e falei que aqui tem um Mega que quer que a entidade volte a
ser grande. Temos que querer que a indústria seja grande de novo. Não
necessariamente a entidade. A entidade é um detalhe, a indústria é o
importante.
O sr. se arrepende de ter sentado na cadeira de
presidente da Fiesp?
Sendo muito sincero, não sei se tenho o perfil de líder de
entidade de classe. Sempre fui liberal. Muitas vezes eu recebo pedidos de
diversos setores, que estão representados na Fiesp. São pedidos legítimos, se
nós olharmos para aquele setor especificamente. A entidade tem essa
característica de vários setores pedindo muitas vezes coisas que são contrárias
a um objetivo maior. Me preocupo mais com o longo prazo. Por isso, estou me
tornando ultraliberal. Passo a concordar com Marcos Lisboa e com os economistas
que defendem que "o negócio é isonomia absoluta. Não tem que ter
privilégio, não tem que ter proteção para ninguém. O Brasil é um país
riquíssimo e cada um que tem a competência que se estabeleça".
Pretende se candidatar a algum cargo público nas próximas
eleições?
Não sou candidato. Me desfiliei de partido político antes de assumir a
presidência da Fiesp.
*RAIO-X | Josué Gomes da Silva, 61
Natural de Ubá (MG), é o atual presidente da Fiesp, com
mandato de 2022 a 2025. Em 2014, foi candidato ao Senado em Minas Gerais
pelo MDB.
Presidiu o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais e em
direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Tem MBA pela Vanderbilt
University, nos EUA.


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