A dependência do Executivo ao Legislativo não tende a
diminuir, pelo contrário, sabendo-se que isso nada tem a ver com o governo A, B
ou C que estiver alojado no Palácio do Planalto
Assistiu-se na última terça-feira uma demonstração cabal da
significativa ascensão do Poder Legislativo no cenário político do país. O
forte presidencialismo que dominou a República brasileira desde os primórdios
já vinha perdendo poder, mas, se alguma dúvida existia, tornou-se patente nesta
semana o enfraquecimento do Poder Executivo. Teve de capitular sem resistência
às exigências e determinações do Congresso.
Diante da oposição de deputados e senadores ao decreto do
aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e face à
urgência de encontrar meios para equilibrar receitas e despesas do orçamento
deste ano, restou ao Executivo a submissão. Viu-se obrigado a negociar com os
presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados as bases de medidas
alternativas para o ajuste das contas públicas na ausência da ampliação do IOF
ou, pelo menos, de parte dele.
Isso, diga-se, sem que se tenha certeza de
que as ideias discutidas na reunião de terça-feira entre representantes dos
dois Poderes serão aprovadas na íntegra ou sem grandes modificações pelo
Congresso, ainda que passem pelo crivo dos líderes partidários no domingo.
Segundo noticiado ontem por este jornal, as alternativas em
estudo pelo Ministério da Fazenda incluem medidas para conter o crescimento dos
gastos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)
por meio de redução do percentual de complementação da União, que subiu de 10%
para 12% em 2021, hoje está em 21% com previsão de chegar a 23% no ano que vem.
O chamado novo Fundeb, instituído por EC em agosto de 2020 e
regulamentado pela Lei 14.113 de dezembro de 2020, colocou a União em uma
verdadeira camisa de força com regras rígidas que obrigam à complementação de
recursos para reforço dos Fundeb geridos a nível dos Estados e do Distrito
Federal. Estes são formados por 20% da arrecadação de vários impostos estaduais
acrescidos da chamada complementação da União, equivalente a no mínimo 23% do
total de recursos alocados pelos Fundeb dos Estados e DF. O piso mínimo de 23%
seria atingido em 2026 e se fixaria nesse nível como participação obrigatória
da União para os anos seguintes.
As regras do Fundeb, complicadíssimas, não dão refresco ao
governo federal. A Lei 14.113 diz no parágrafo 4º do artigo 4º - justamente
aquele que trata da complementação de recursos da União - que “o não
cumprimento do disposto neste artigo importará crime de responsabilidade da
autoridade competente”. O tamanho do gasto é expressivo: R$ 58,8 bilhões neste
ano.
Além disso, o governo contaria com um corte na concessão de
benefícios tributários que funcionam como “incentivo fiscal” à atuação de
diversos setores. Estima-se em R$ 800 bilhões o déficit de arrecadação com
esses benefícios em 2025, mas claro que um eventual ganho dependerá do nível do
corte e dos setores a serem atingidos.
Não se deve descartar a manutenção de algum aumento do IOF,
tendo em vista a necessidade urgente de cobertura do déficit fiscal. O imposto,
em si, não é relevante. Sua participação no total da arrecadação federal foi de
apenas 2,67% em 2024. Não é um imposto com característica arrecadatória, mas
tem a grande vantagem de ser facilmente instituído, com validade para o mesmo
ano fiscal.
Tudo isso, no entanto, continua no ar. São pretensões do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Se aprovadas, poderão deixá-lo mais
animado na tarefa de esquadrinhar soluções fiscais em conjunto com o Congresso
Nacional. A reação ao açodamento com a divulgação do decreto do IOF, cujo texto
original continua em vigor, deve servir de alerta ao ministro diante da
crescente ingerência do Legislativo nos temas tributários e nos gastos do
orçamento.
Nova realidade se impõe há pelo menos 8 anos quando se
descobriu uma mina de ouro chamada de emendas parlamentares
A nova realidade se impõe há pelo menos oito anos quando os
parlamentares descobriram uma mina de ouro chamada de emendas parlamentares.
Para se ter uma ideia do valor desse tesouro, basta comparar a evolução dos R$
10,8 bilhões de emendas - individuais e de bancada - empenhadas em 2017 com os
R$ 44,9 bilhões empenhados em 2024, no total de R$ 53 bilhões de emendas
aprovadas.
Para 2025, o orçamento prevê R$ 24,6 bilhões de emendas
individuais, R$ 14,3 bilhões de emendas de bancada estadual e R$ 11,5 bilhões
de emendas de comissão, além de R$ 8,2 bilhões de emendas de comissão e de
bancada com identificador genérico que a Transparência Brasil tem chamado de
“emendas de comissão paralelas”. No total, o valor para este ano é de R$ 58,6
bilhões, mas ninguém ouviu falar na disposição dos parlamentares de reduzirem o
montante alocado nas emendas para ajudar na execução do orçamento.
Há dois pontos a considerar. Primeiro, a dependência do
Executivo ao Legislativo não tende a diminuir, pelo contrário, sabendo-se que
isso nada tem a ver com o governo A, B ou C que estiver alojado no Palácio do
Planalto. Segundo, sempre que se tratar do comportamento fiscal do governo
federal não se pode ignorar a responsabilidade do Congresso nos resultados das
contas públicas do país.
Vale comentar a respeito de outras propostas que circularam
esta semana no meio parlamentar e no meio financeiro, no sentido de funcionarem
como alternativa ao decreto do IOF.
A reforma administrativa ganhou certo destaque. Teria, de
fato, o mérito de reorganizar o funcionamento do setor público federal,
tornando-o mais racional e, talvez, mais eficaz, mas não daria contribuição
significativa ao orçamento na ponta dos gastos. Se alguém pensa que uma reforma
administrativa resultaria em redução das despesas com os vencimentos dos
funcionários públicos, pode desconsiderar. Os salários pagos pelo governo estão
protegidos pela figura do direito adquirido.
Outra sugestão passou pela eliminação do reajuste real no
valor do salário mínimo, algo que poderia sem dúvida render um bom dinheiro
para o orçamento, mas que significaria aprofundar a discrepância entre os
níveis de renda enraizada há séculos na sociedade brasileira. Seria como
beneficiar gente com poder de dar voz aos seus interesses, no caso o pessoal
que tem reclamado do aumento do IOF, em detrimento de gente sem voz que depende
de apoio do Estado para sobreviver dignamente. Há um importante trade-off ali
do ponto de vista não apenas social, mas também econômico que não pode ser
omitido do debate em torno da busca de soluções para um ajuste fiscal mais
expressivo e duradouro.


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