Se Macron fizesse um périplo pela América do Sul, as
agendas econômica, comercial e ambiental seriam centrais para equilibrar o jogo
da UE com EUA e China na região, mas a França não topa o acordo com o Mercosul
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita hoje a França
logo depois de o presidente Emmanuel Macron ter proposto uma “terceira via”
entre a China e os EUA com Donald Trump.
Em meio às enormes turbulências geopolíticas, essa “terceira
via” foi destacada por Macron durante sua movimentada turnê pelo Sudeste da
Ásia na semana passada. Tem ecos da conferência de Bandung há 70 anos, quando
sobretudo países asiáticos e africanos começaram a constituir o Movimento de
Países Não Alinhados, e de um discurso do general De Gaulle no Camboja em 1966.
Macron reconhece que o tempo para não
alinhamento sem dúvida passou, mas que é momento para “coalizão de ação” de
países que “navegarão pelos mares tempestuosos do comércio e protegerão os bens
comuns da natureza e do clima, determinados a não ceder aos caprichos ou à
ganância de outros”, e que tentarão não ser intimidados.
Para o presidente francês, o principal risco hoje é o risco
de divisão do mundo e de uma divisão entre as duas superpotências, Estados
Unidos e China, e instruções dadas a todos os outros de terem que escolher o
seu lado.
Isso ameaça acabar com a ordem global e destruir
metodicamente todas as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial para
preservar a paz e cooperar com relação à saúde, ao clima, aos direitos humanos
e assim por diante, reconheceu o líder francês.
A sensação também de erosão de alianças de longa data e
compromissos que podem não ser mais sólidos está dando início a uma nova
instabilidade na cena internacional. “Vemos isso todos os dias”, lamentou o
presidente francês.
No cenário atual de múltiplas crises, interligadas, a época
é para convergências, cooperações cruzadas, mais do que para formação de
blocos, na sua visão.
Mas rejeitou “dois pesos, duas medidas” que justificaria,
por exemplo, para alguns países uma percepção de equidistância entre Ucrânia e
Rússia. “Se considerarmos que a Rússia poderia tomar parte do território da
Ucrânia sem qualquer restrição, sem qualquer constrangimento, sem qualquer
reação da ordem global, como você diria o que poderia acontecer em Taiwan? O
que você faria no dia em que algo acontecesse nas Filipinas? O que está em jogo
na Ucrânia é a nossa credibilidade comum para termos certeza de que ainda somos
capazes de preservar a integridade territorial e a soberania do povo”, afirmou.
Macron insistiu na Ásia que a região e a Europa têm desafios
comuns e podem ter respostas comuns. “Temos um desafio de países revisionistas
que querem impor, sob o nome de esferas de influência, na realidade, esferas de
coerção; países que querem controlar áreas desde a periferia da Europa até os
arquipélagos no Mar do Sul da China, excluindo os parceiros regionais, alheios
ao direito internacional; países que querem se apropriar de recursos, sejam
eles pesqueiros, sejam eles minerais, e arrastar outros em seu benefício;
países que querem impor aos países livres suas escolhas de política externa ou
prejudicar suas alianças”, afirmou ele.
Assim, “em um momento em que a rivalidade entre a China e os
Estados Unidos pela liderança global pode criar limitações e um efeito
colateral para cada um dos nós, sem que queiramos ou sequer possamos imaginar
entregar nossos interesses a um ou a outro, como reagir?”, indagou ele.
A França, respondeu Macron, é amiga e aliada dos Estados
Unidos e é amiga e coopera, mesmo que às vezes discorde e concorra, com a
China. E pretende continuar assim. E considera essencial a autonomia
estratégica. Significa querer cooperar, “mas não receber instruções diárias
sobre o que é permitido, o que não é permitido e como nossa vida mudará por
causa da decisão de uma única pessoa”. Macron insistiu com os asiáticos que uma
terceira via possível não é nem submissão nem confrontação com a China, mas a
vontade de preservar soberania e um mundo que respeita as regras
internacionais.
A forma concreta para cumprir a agenda da autonomia
estratégica entre Europa e Ásia, e certamente com outras regiões, seria, na
visão francesa, criar novas coalizões, novos acordos e como redefinir uma nova
ordem baseada em regras. A Europa quer ampliar substancialmente os acordos com
a Ásia. As regras, disse Macron, devem continuar sendo a inviolabilidade das
fronteiras, o respeito à soberania, a recusa em usar a força como meio de
dominação e cultivar um espírito de independência e um desejo de cooperação.
Para Macron, a “coalizão de ação” se impõe: “Não podemos
simplesmente ficar sentados e dizer: ‘Tudo bem, não há mais OMC, o que faremos
com as tarifas?’ Não temos tanta certeza de que temos a garantia total da
aliança existente; o que faremos? Queremos agir. Nossa responsabilidade
compartilhada é garantir que nossos países não sejam vítimas coletivas dos
desequilíbrios ligados às escolhas feitas pelas superpotências”.
Afora uma parte de nostalgia, de angústia em relação à perda
de poder francês no mundo, o discurso do presidente tem uma boa diferença com
sua prática. Para reforçar o plano de autonomia estratégica é especialmente
importante o acordo com o Mercosul, no qual a Europa ganha mais do que concede.
Se Macron fizesse um périplo pela América do Sul, as agendas econômica,
comercial e ambiental seriam centrais para equilibrar o jogo da UE com EUA e
China na região. Mas a França liderada por Macron justamente não topa o acordo
Mercosul-UE que tem negociado todos esses três temas.


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