O ministro tem uma oportunidade única de avançar com um
programa de ajuste fiscal capaz de propiciar ao País um horizonte menos opaco
O atual governo optou por uma política fiscal do tipo
“feijão com arroz”, como temos chamado. De modo geral, essa tendência deve
persistir até as eleições presidenciais.
Mas a necessidade de cobrir a reversão total ou parcial das
recentes elevações do IOF pode ensejar um debate sobre medidas estruturais,
deixado de lado após a decepção com o pacote de dezembro.
É assim que propomos um programa realista, caso não haja
disposição para algo mais ousado. Seria um expressivo avanço em relação à
política atual do “feijão com arroz”, que já mostra claros sinais de
esgotamento.
Pelo lado da despesa, sugerimos seis medidas para o período
2027-2030, a saber:
1) o fim da correção real do salário mínimo
ou desindexação da Previdência e gastos sociais;
2) a não correção das remunerações dos servidores;
3) a extinção do abono salarial;
4) a mudança da regra de correção do gasto mínimo da saúde e
da educação;
5) o corte pela metade das emendas parlamentares; e
6) a redução do porcentual de complementação da União ao
Fundeb, de 23% para 19%.
À exceção dos itens 1 e 2, os demais seriam executados
gradualmente no período referido.
A substituição da regra atual de aumento real do salário
mínimo pela regra da correção via inflação ou, simplesmente, o fim da indexação
dos benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo produziria uma
economia de 0,19% do PIB, já em 2027. Esse ganho chegaria a 0,73% do PIB até
2030.
A não correção da remuneração dos servidores federais, de
2027 a 2030, por sua vez, geraria economia de 0,13% do PIB, em 2027, atingindo
0,43% do PIB depois de quatro anos.
O fim do abono salarial resultaria em ganho inicial de 0,06%
do PIB, em 2027, atingindo 0,22% do PIB até 2030. A mudança na correção do
mínimo da saúde e da educação, por sua vez, geraria um ajuste inicial de 0,07%
para chegar a quase 0,32% do PIB em 2030. Após um ganho pequeno, em 2027, as
emendas parlamentares e a redução da complementação do Fundeb trariam
contribuição crescente até quase 0,2% e 0,1% do PIB, respectivamente, em 2030.
Pelo lado da receita, consideramos um corte de 24% dos
gastos tributários em vigor, porcentual calibrado para garantir um aumento de
cerca de 1% do PIB da receita líquida da União.
Também de modo gradual, o ganho parte de 0,26% do PIB em
2027 e alcança 1,04%, em 2030.
Vale dizer, o aumento da arrecadação por meio desses cortes
pouparia os contribuintes que arcam com uma carga mais elevada, ao não serem
contemplados com benefícios tributários. Um processo sofisticado de avaliação
dessas políticas poderia subsidiar a proposta de corte linear acima
apresentada.
Considerando as seis medidas pelo lado da despesa e a
relativa à receita listadas acima, o impacto fiscal seria de 0,79 ponto
porcentual do PIB, em 2027, sendo 0,26 ponto de aumento de receita e 0,53 de
corte de despesa. O efeito aumenta até chegar a 2,9 pontos porcentuais do PIB,
em 2030, sendo 1,9 de corte de despesa e 1 ponto de PIB de ganho de receita.
Essa proposta permitiria praticamente zerar o déficit
primário em 2027. No segundo ano do próximo mandato presidencial, o superávit
já teria retornado, na casa de 0,6% do PIB, para aumentar a 1,2% e a quase 2%
do PIB, respectivamente, em 2029 e 2030.
A dívida pública bruta ainda aumentaria até 2028, atingindo
87% do PIB, ante os 83,5% de 2026. Mas ela provavelmente estabilizaria, entre
2028 e 2029, para então iniciar uma trajetória de queda em proporção do PIB. No
cenário da inércia, as regras fiscais serão inviáveis, o déficit e a dívida
subirão continuamente até 1,15% e 94,5% do PIB em 2030.
Essas previsões para o cenário com o ajuste proposto não
indicam um quadro tranquilo, mas certamente representariam ganho gigantesco em
relação à situação atual, de desancoragem das expectativas para as contas
públicas. Sendo crível e havendo o apoio necessário do Congresso, o mercado
anteciparia os ganhos derivados dessas medidas e os juros reais poderiam ser
menores, facilitando a tarefa de reconquistar as condições de equilíbrio
fiscal.
As medidas para a partir de 2027 não excluem providências já
para 2026, se houver espaço político. A limitação dos salários públicos ao teto
remuneratório constitucional, a contenção das emendas parlamentares, o corte de
subsídios e subvenções e outras ações seriam bem-vindos.
A respeito de 2026, importante dizer, nem com a ajuda da
receita extra com o IOF será possível cumprir a meta fiscal, mesmo em seu
limite inferior e com a exclusão dos precatórios excedentes. Projetamos déficit
de 0,75% do PIB para esse ano. Seria necessário um corte de cerca de R$ 50
bilhões para cumprir a meta, mas as despesas discricionárias já estarão num
nível próximo do comprometimento do funcionamento da máquina pública.
É assim que o ministro Fernando Haddad tem, neste momento,
uma oportunidade única de, mesmo estando já na segunda metade do mandato
presidencial, avançar com um programa de ajuste fiscal capaz de propiciar ao
País um horizonte menos opaco.


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