Presidente reconhece que a sociedade tem novos anseios,
mas seu governo ainda não descobriu como atendê-los
Um homem na estrada olha ao redor. Tudo o que ele quer é
viver em paz, ganhar dinheiro - ficar rico, enfim.
Mas a realidade que o cerca é deprimente: mora num cômodo
mal-acabado e sujo, com um cheiro horrível de esgoto no quintal. No calor falta
água, quando chove inunda tudo. O IBGE até passou por lá, fez uma série de
perguntas, mas as políticas públicas nunca apareceram.
Ele pensa noite e dia em como fazer para sair daquela
situação. Seu maior desejo é que o filho tenha uma vida segura, longe daquele
ambiente de violência e criminalidade: tráfico de drogas, estupros,
assassinatos e abusos policiais. Esse futuro, todavia, não virá pela educação -
na comunidade onde mora, crianças e jovens quase nada aprendem.
O enredo acima é de um rap dos Racionais
MC’s. Ele foi citado na entrevista que o presidente Lula concedeu a Mano Brown
e Semayat Oliveira, no último episódio do podcast Mano a Mano.
A certa altura da conversa, Lula mencionou um comício em
Belo Horizonte, embora não tenha indicado o ano (2002? 2006?). O público
presente na Praça Sete estava nervoso. O então candidato pediu a Mano Brown que
subisse no palanque e o defendesse perante a multidão indócil. “Eu fiz o
discurso mais rápido da minha vida, porque o clima não estava bom.” E passou o
microfone a Mano, que cantou “Homem na Estrada”, o rap que fala da falta de
esperança.
Lula se referiu a essa história para exemplificar como os
Racionais foram importantes para criar uma ponte entre o PT e a juventude
periférica durante sua trajetória política.
Brown, porém, não queria falar de passado. Por ser
assumidamente lulista, o rapper está preocupado é com o presente. E por isso
ele interrompeu o presidente de bate-pronto: “Lula, vou te falar: voltou a ser
do jeito que estava. Molecada está precisando de fé, estão desacreditados -
inclusive de nós. Porque o Lula hoje é o governo. E quando eles veem o Brown
falando bem do governo [os jovens respondem]: ‘Ah, tá bom pra vocês, pra nós
não está’”.
Esse foi um dos motes que nortearam o papo no podcast. Da
sua parte, Lula recorria ao passado, com os grandes feitos de políticas sociais
de seus dois primeiros mandatos, e aos bons números atuais da economia
(desemprego baixo, renda em alta) como garantia de que tempos melhores virão se
receber um quarto mandato em 2026.
Mas os entrevistadores, imersos numa realidade bem distante
dos gabinetes de Brasília, queriam saber de outras temáticas. Para o presidente
que várias vezes se referia ao movimento sindical, Semayat comentou que as
pessoas hoje se referem à CLT com chacota, porque desejam flexibilidade. E Mano
também lembrou de como pequenos negócios estão proliferando nas periferias,
evidência de que as pessoas querem ser empreendedoras, mais livres e menos
dependentes da assistência governamental.
Lula reconhece que as demandas dos brasileiros hoje são
muito diferentes do tempo em que comandava greves no ABC ou de quando lançou o
Bolsa Família. Contudo, as respostas que seu governo deu até o momento para
esses novos pleitos são pífias: o Acredita, destinado a dar crédito para os
microempreendedores, não engrenou; sua proposta para regular o trabalho por
aplicativos foi rechaçada pelos próprios motoristas e entregadores; já a
discussão sobre o fim da escala 6x1 ainda engatinha no seu ministério.
A meu ver, há dois graves erros de diagnóstico que podem
custar a Lula a reeleição em 2026.
O primeiro é acreditar que a queda de popularidade
presidencial se deve tão somente a um problema de comunicação. Há seis meses
Lula trouxe um marqueteiro para o Palácio do Planalto e tem se tornado mais
ativo nas redes sociais - e o resultado até agora é nulo.
A segunda falha de avaliação é acreditar que a disputa do
ano que vem se dará contra a “extrema direita”, como não se cansam de repetir o
presidente, Gleisi, Haddad e cia. Com Jair Bolsonaro inelegível e provavelmente
condenado, a direita e boa parte do Centrão tendem a se aglutinar numa
candidatura com discurso muito mais moderado do que a do ex-presidente ou de
algum de seus filhos.
O cientista político Felipe Nunes, fundador do instituto de
pesquisas Quaest, esteve no programa Roda Viva na semana passada e trouxe dois
dados reveladores.
De um lado, o julgamento da tentativa de golpe de 8 de
janeiro só mobiliza lulistas e bolsonaristas convictos - para a grande faixa do
eleitor médio, esse assunto não desperta interesse. De outro, 70% dos
brasileiros não têm mais medo de perder seus benefícios sociais caso Lula seja
derrotado nas eleições.
Ambos são alertas para Lula e suas pretensões de concorrer a
um novo mandato. Ao contrário de 2022, o tópico da defesa da democracia não
parece ser mais decisivo para atrair eleitores das classes média e alta. Para
piorar, os eleitores mais pobres não mais se sentem dependentes de Lula para
manter os benefícios sociais, enquanto seu governo não atende às suas novas
demandas por flexibilidade e apoio para empreender.
O homem na estrada olha ao redor, e Lula não é mais sua
única opção. E agora, mano?
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom
Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e
Poder”


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