O câmbio valorizado e a desaceleração da economia deverão
permitir em algum momento o começo do ciclo de queda da Selic, mas o recuo da
taxa será limitado se nada for feito para conter a expansão dos gastos
A Selic chegou a 15% ao ano, com a alta de 0,25 ponto
percentual promovida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na semana
passada. É uma taxa elevadíssima - descontando a inflação projetada para os
próximos 12 meses, é um juro real de 9,8%, que encarece o crédito e inibe
decisões de investimento das empresas. Quando o ciclo de alta da Selic começou,
em setembro do ano passado, não se esperava que a taxa subiria tanto - mesmo em
novembro, os mais cautelosos ainda viam o juro um pouco acima de 13%. No entanto,
expectativas de inflação acima da meta de 3% para este e para os próximos anos,
uma atividade econômica que demora a perder fôlego e incertezas fiscais
persistentes levaram o BC a aumentar a taxa para 15%, e a indicar que pretende
mantê-la no atual nível por um “período bastante prolongado”. Um juro dessa
magnitude deverá reduzir o ritmo de crescimento da economia nos próximos
trimestres, contribuindo ainda para fortalecer o real em relação ao dólar - ou
pelo manter a taxa de câmbio perto de R$ 5,50 - e aumentando o já elevado custo
da dívida pública.
O comportamento recente do câmbio alivia
parte das pressões inflacionárias, o que pode colaborar para o ciclo de queda
da Selic não tardar muito, começando talvez no fim de 2025. O dólar fechou na
sexta-feira em R$ 5,5248, recuando 10,6% no ano. Estimativas do economista
Fábio Romão, da LCA 4Intelligence, dão uma ideia de como o câmbio pode ajudar -
ou atrapalhar - a tarefa do BC de combater a inflação. Ele projeta um IPCA de
5,3% neste ano e de 4,5% no ano que vem, trabalhando com um dólar de R$ 5,70 no
fim de 2025 e de 2026. Se a moeda ficar em R$ 5,50 no fim deste ano e do ano
que vem, as projeções de Romão para o IPCA ficam em 5,1% e 4,18%, pela ordem.
Se o dólar, porém, atingir R$ 6 no encerramento de 2025 e de 2026, as previsões
sobem para 5,54% e 4,97%.
Com a Selic nas alturas e um dólar que perde força no
cenário internacional, o real tem ganhado terreno. Alguns analistas veem espaço
para o fortalecimento adicional da moeda, o que poderia facilitar o trabalho do
BC de trazer o IPCA para um nível menos distante da meta de 3%. Há também um
efeito fiscal do real mais forte - uma valorização de 1% do câmbio reduz os
gastos financeiros do governo geral em R$ 10,7 bilhões, segundo estimativas do
Banco Central para o impacto sobre a dívida bruta.
Incertezas sobre as contas públicas, contudo, impedem uma
queda ainda mais forte do dólar. O governo tem dificuldades para cumprir as
metas do arcabouço fiscal, cujas regras em si já são insuficientes para
estabilizar a dívida pública como proporção do PIB. Sem enfrentar o crescimento
das despesas obrigatórias e reduzir os benefícios fiscais, o endividamento
público seguirá em alta. De qualquer modo, a combinação de juros elevados e o
dólar em queda no cenário global tem feito o real se valorizar. O agravamento
do conflito no Oriente Médio entre Israel e Irã, que escalou com a entrada dos
EUA, tende a pressionar os preços do petróleo, uma má notícia para a inflação,
mas o câmbio mais valorizado atenua esse impacto.
Outro efeito dos juros elevados é aumentar as já enormes
despesas financeiras do setor público. Taxas altas que incidem sobre uma dívida
muito grande resultam em gastos com juros pesadíssimos, que se aproximam de R$
1 trilhão no acumulado em 12 meses. Nessa métrica, até abril, as despesas
líquidas com juros, que mostram a diferença entre os valores financeiros pagos
e recebidos pelo setor público, ficaram em R$ 928,3 bilhões, ou 7,71% do PIB.
Nas estimativas do próprio BC, a alta de 1 ponto percentual da Selic, mantida
por 12 meses, tem um custo de R$ 55 bilhões no caso da dívida líquida do setor
público consolidado, que inclui União, Estados, municípios e estatais não
financeiras, com exceção de Petrobras e Eletrobras. No caso da dívida bruta,
que engloba União, Estados e municípios e não desconta ativos como reservas
internacionais, o efeito é de R$ 50 bilhões.
Os gastos com juros do Brasil destoam dos de outros países.
Números do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre juros pagos sobre a dívida
pública mostram que, em 2023 (dado mais recente disponível), eles ficaram em
8,2% do PIB no caso brasileiro, o mais alto, de longe, de um grupo de 144
países. Depois do Brasil aparecem o Paquistão, com 6,8% do PIB, e o México, com
6,2% do PIB. Esses indicadores obviamente causam preocupação. Diminuir esses
gastos deve ser uma prioridade do governo, mas sem voluntarismo, com cortes
apressados da Selic. Para reduzi-los, é fundamental atacar o crescimento dos
gastos obrigatórios.
Os números do FMI também mostram que o Brasil é um país que
tem despesas primárias (não financeiras) elevadas quando comparada a outros
emergentes. Em 2023, esses gastos chegaram a 37,3% do PIB no caso brasileiro,
bem acima dos 26,3% do PIB do Chile e dos 23,7% do PIB da Índia, e também
superior aos 32,2% do PIB da China, aos 30,8% do PIB da Colômbia ou aos 35,8%
do PIB da Rússia. Além de despesas primárias elevadas, a dívida brasileira é
alta e está em trajetória crescente, não devendo se estabilizar nos próximos
anos. O endividamento bruto brasileiro atingiu 76,2% do PIB em abril e deverá
alcançar 79,8% do PIB no fim deste ano e 84% do PIB no fim do ano que vem,
estima a Instituição Fiscal Independente (IFI). Pelos critérios do FMI, que
considera no cálculo da dívida bruta os títulos do Tesouro na carteira do BC, o
indicador deve ficar em 92% do PIB neste ano. A média da dívida bruta dos
emergentes deve ser de 74,8% do PIB em 2025, e a dívida líquida, de 46,6% do
PIB, nas previsões do Fundo. Em abril, o endividamento líquido do Brasil ficou
em 61,7% do PIB.
Os gastos primários e os dispêndios com juros do Brasil são
elevados e preocupantes. A agenda da contenção de despesas é essencial para
diminuir as incertezas fiscais, abrindo espaço para a redução estrutural da
Selic. O câmbio valorizado e a desaceleração da economia deverão permitir em
algum momento o começo do ciclo de queda dos juros, mas o recuo da taxa será
limitado se nada for feito para conter a expansão dos gastos, o que depende
principalmente do Executivo, mas também do Congresso e do Judiciário. Sem isso,
a Selic pouco cairá, e o Brasil vai continuar a gastar anualmente bilhões e
bilhões de reais com juros.


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