Quando os parceiros de coalizão são rejeitados pelos seus
apoiadores, a avaliação do sistema piora
Cresce a percepção de que há algo errado em nossas
instituições. Diria até que é quase consensual na opinião pública que as
relações entre os três Poderes são disfuncionais. Isto se estende ao
próprio funcionamento da democracia no país. Não temos dados para 2025, mas,
segundo pesquisa sobre a satisfação com a democracia do Pew Research Center em setembro de 2024, o Brasil está
ligeiramente abaixo da mediana global que é 45%.
Apenas 44% da população declara estar
satisfeita com o funcionamento da democracia no país, enquanto 54%
manifestam algum grau de insatisfação, dos quais 30% afirmam estar "nada
satisfeitos". Paradoxalmente, vemos um aumento e não declínio de 7 pontos
percentuais em relação a 2023. O Brasil opera na tendência oposta das
democracias de alta renda, nas quais se observa queda acentuada nos últimos
anos (de 49% em 2021 para 36% em 2024) na satisfação com a democracia.
Mas o mais instigante para analisarmos o "malaise"
na conjuntura atual sobre a democracia é como ela varia entre grupos de
eleitores. Esta variação nos dá a chave para o consenso negativo atual sobre o
funcionamento da democracia. A percepção sobre como o funcionamento das
instituições é moldada por vários fatores já identificados em pesquisas sobre o
assunto. Um fator decisivo é que ela difere entre os ganhadores e perdedores
das eleições (o "winner-loser gap", no jargão).
Há também fortes clivagens ideológicas: entre eleitores de
esquerda, 56% estão satisfeitos; entre os de direita, apenas 35%. O fator mais
determinante, porém, é o alinhamento com o governo: apoiadores da coalizão
governista relatam níveis de satisfação 25 pontos percentuais mais altos que os
opositores.
Esses dados revelam um padrão comum em democracias
polarizadas: a legitimidade das instituições passa a ser filtrada
pelo vínculo partidário, e a percepção de responsividade política se torna mais
volátil. A democracia é vista com mais confiança quando o "meu lado"
está no poder, e com mais desconfiança quando está na oposição.
O que parece estar ocorrendo no momento é a queda da
satisfação com a democracia entre os ganhadores, ou seja, entre os apoiadores
da coalizão governista. Em "Strange Bedfellows: Coalition Make-up and
Perceptions of Democratic Performance Among Electoral Winners", Electoral
Studies, 2016 (Estranhos parceiros: composição da coalizão e percepção de
desempenho da democracia entre eleitores vitoriosos), os autores utilizam
microdados de pesquisas com 18 mil eleitores de 46 países para testar a clivagem
vencedor-perdedor em governos de coalizão.
Concluem que os parceiros da coalizão importam para a
satisfação com a democracia. Nos casos em que há o que os autores chamam de
"ambivalência de coalizão" —ou seja, se os parceiros de coalizão são
rejeitados—, a avaliação do governo e do funcionamento da democracia piora.
O infortúnio faz estranhos companheiros de cama
(Shakespeare, "A Tempestade"). Quando o Executivo se enfraquece, eles
lhes dão as costas. Assim, entre os eleitores, os vencedores se veem como
perdedores. Governar com más companhias cobra um preço entre vitoriosos.
Mas mitiga a insatisfação entre os perdedores.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e
ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)


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