Não fossem as câmeras nos uniformes de PMs, brutalidade
policial em Paraisópolis sairia impune
As câmeras acopladas às fardas levaram à prisão e ao
indiciamento por homicídio doloso de dois policiais militares de São Paulo.
Esse foi o desfecho de uma operação realizada na Favela de Paraisópolis, na
zona sul da capital paulista, quando os agentes foram à favela para averiguar
uma denúncia de tráfico de drogas, mas, em vez de prenderem os criminosos,
decidiram executar um suspeito no local.
A morte de Igor Oliveira de Moraes Santos, de 24 anos, no
dia 10 passado, foi o estopim para uma noite de terror na favela. Bandidos se
aproveitaram da comoção popular para fechar ruas, erguer barricadas e atacar
ônibus, assustando trabalhadores e forçando motoristas a abandonarem seus
carros, que foram virados. Veículos da imprensa também foram encurralados.
A versão inicial era a de que Santos, que era um dos
suspeitos do crime de tráfico de drogas, não havia obedecido à ordem de
rendição. Porém, no dia seguinte, o comando da Polícia Militar (PM) chamou
jornalistas para explicar o que de fato ocorrera na favela. Segundo o porta-voz
da corporação, coronel Emerson Massera, as imagens das câmeras nas fardas dos
policiais mostraram que dois agentes haviam rendido Santos dentro de uma casa.
O jovem já estava no chão, com as mãos na cabeça, quando outros dois policiais
entraram no local atirando.
Nas palavras de Massera, foi uma “ação ilegal, não legítima”
e “não havia nada que justificasse o disparo”. Revelada graças às câmeras, a
execução fez o coronel reconhecer os “erros” dos agentes da PM e lamentar o
crime. Já o governador Tarcísio de Freitas afirmou que policiais que
infringirem a lei serão “sempre” punidos de forma rigorosa e disse que não
serão tolerados “desvio”, “ilegalidade” e “abuso”.
É bom saber que as autoridades do Estado consideraram
inaceitável o que ficou registrado de forma cristalina nas imagens das câmeras
nos uniformes. Afinal, não é possível tergiversar diante da barbárie. Mas é
preocupante que o governador ainda classifique como “desvio” um comportamento
que tem se repetido com inquietante frequência na polícia paulista. Em 2024,
policiais civis e militares mataram 814 pessoas, um aumento de incríveis 61% em
relação ao ano anterior. Além da evidente escalada da violência policial,
multiplicam-se casos de brutalidade gratuita e que ganham evidência graças a
imagens de celular de testemunhas, horrorizando os cidadãos.
Desde que a PM paulista adotou as câmeras nos uniformes, em
2020, no governo de João Doria, ficou mais difícil para os maus policiais
esconderem sua violência alegando que suas vítimas eram “bandidos” mortos em
“confronto”. Por isso mesmo, a sociedade reagiu com firmeza à tentativa do
governador Tarcísio e de seu secretário de Segurança, Guilherme Derrite, de
desidratar o programa de câmeras corporais.
Tarcísio teve de voltar atrás e reconhecer que as câmeras
são necessárias. Mas só isso não basta. É preciso também melhorar urgentemente
o treinamento dos policiais e acabar com a mentalidade de que é aceitável
atirar em quem o policial julga ser bandido, mesmo que esteja rendido. Isso não
é segurança pública.


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