Hoje é primeiro de agosto e este sempre foi um mês difícil
no Brasil. Esperamos o tarifaço com a mesma ansiedade que o mundo esperou
o bug do milênio. Será que a realidade se mostrará menos
grave?
Ao longo desse curto período, desde a carta de Trump,
examinamos todas as possibilidades de atenuar ou mesmo neutralizar a disposição
de impor um tarifaço ao Brasil.
É um tipo de medida que prejudica também os
norte-americanos. Imaginei que a pressão interna iria demover Trump. Houve
manifestações importantes: um Nobel de Economia, Hillary Clinton, The
Economist. Mas a força maior virá dos empresários – são muitos – e dos
consumidores prejudicados com o processo inflacionário que as tarifas estão
estimulando. O café, por exemplo, impacta nas refeições matinais.
O processo vai desaguar na Justiça, pois são necessárias
algumas condições para que se decretem tarifas tão altas. Estão ausentes no
caso brasileiro. Pode ser que investigando o Brasil com base na Seção 301 da
Lei do Comércio de 1974 Trump encontre argumentos legais. Mas a investigação
mal começou, como fundamentar decisões antes de concluir o trabalho?
Todo esse raciocínio é pouco útil se consideramos a
existência de um problema político que domina todo o processo. Esse problema
pode se chamar Bolsonaro. Mas pode ser um pouco maior e se chamar China.
Parece que Trump não aceita que países como o Brasil e a
Colômbia, que sempre foram aliados, saiam da órbita dos EUA. No caso
brasileiro, foi se desenvolvendo uma indiferença nas relações que se desdobra
em hostilidade e agora será difícil quebrar o gelo.
Muito se fala na necessidade de Lula ligar para Trump ou se
encontrar com ele. Mas será que isso resolveria ou poderia resultar numa grande
frustração? É possível que Trump não acompanhe a reação brasileira, muito menos
todos os discursos de Lula sobre o tema. Mas certamente seria informado por
Marco Rubio, que acompanha melhor o que se passa na América do Sul.
Isso não significa que uma aproximação pragmática entre Lula
e Trump possa acontecer. Mas seria possível por meio de um processo mais longo,
por meio de gestos e de falas que pavimentassem o caminho. Esperar que uma
simples ligação telefônica resolva tudo é esperar demais.
A decretação da tarifa de 50% para o Brasil precisará ser
regulamentada para que as empresas saibam como se comportar. Embora a discussão
econômica se dê ainda num espaço muito estreitado pela política, uma das
possibilidades, como se confirmou, era de buscar exceções para alimentos e
aeronaves, como adiantavam algumas fontes brasileiras.
No caso da Embraer, o esforço para mantê-la fora do decreto
foi muito importante, não só porque é difícil encontrar clientes alternativos,
como também porque a empresa tem instalações e funcionários nos EUA. Seria um
contrassenso grande inviabilizar esse tipo de negócio.
De um modo geral, as relações de dois séculos entre o Brasil
e os EUA vivem o seu pior momento. A notícia de que a embaixadora brasileira
não foi recebida para um diálogo e a insistência americana em não designar
embaixador para Brasília revelam que estamos muito próximos de um rompimento.
Essa frieza não corresponde aos fatos reais. Ainda usamos satélites americanos,
nossos dados estão armazenados em centro de dados nos EUA, a atração da cultura
americana ainda é grande sobre nossa juventude, enfim, são laços que não se
desfazem apenas com a distância entre os dois governos.
Não importa o que acontecer a partir de agora, será
necessária uma longa luta de reconstrução, baseada no fato de que Trump está
punindo um país porque discorda da atuação de seus dirigentes.
Certamente, o aspecto principal de um reencontro passará
pela superação desse equívoco. Mas ele funciona como um sinal de que, apesar
dos 200 anos, é preciso começar quase tudo de novo. O mundo não é mais o mesmo
e pede uma dose de pragmatismo.
Os EUA não podem ignorar o Brasil, a décima economia do
mundo, maior país da América do Sul, e não designar um embaixador para o
Brasil. Por outro lado, apesar de discordar de Trump, o governo Lula precisa
estabelecer canais, encontrar interlocutores, algo que não foi trabalhado
depois das eleições.
A passagem dos senadores pelos EUA buscando alguns contatos
é importante, mas tudo ficaria mais fácil se houvesse uma interlocução
frequente, que não só a diplomacia parlamentar, e qualquer tipo de diplomacia
não se tornasse uma preocupação cotidiana.
É um aprendizado importante, pois o próprio serviço de
inteligência nacional não percebeu que uma tempestade estava se formando no
horizonte. E não era preciso assim tanta astúcia. Os passos diários de denúncia
no Congresso americano eram notificados nas redes sociais pelos brasileiros que
a faziam. Talvez fosse preciso respondê-los com transparência e, inclusive, com
a correção de alguns erros, como este da entrada fake de
Felipe Martins nos EUA.
Isso tudo são águas passadas. A partir de agora, um novo
roteiro terá de ser cumprido, inclusive e principalmente na área econômica.
Mas será um tempo de reavaliação política e diplomática,
tudo dependendo do que acontecerá de fato nestes primeiros dias de agosto de
2025.
Artigo publicado no jornal Estadão em 01 / 08 / 2025


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