Blindagem derrotada: não foi civismo do Senado, foi
pressão popular
Rejeição de proposta foi raro alento numa legislatura
marcada por retrocessos
Ao justificar seu voto contra a PEC da Blindagem, o senador
Esperidião Amin deu uma explicação curiosa. Disse que o texto aprovado na
Câmara estava com “catinga de vaca molhada”.
Ex-governador de Santa Catarina, o bolsonarista contou ter
aprendido a expressão numa visita ao Piauí. “O sujeito vestia o terno de
domingueira, de linho trançado, para ir à missa. Aí encostava numa vaca molhada
e aquilo não saía mais”, contou.
O senador atribuiu a fedentina a três pontos que a Câmara
incluiu na PEC: voto secreto para barrar a abertura de processos, foro
privilegiado para proteger presidentes de partidos e blindagem a políticos que
cometem crimes sem relação com o mandato.
Amin tem razão ao criticar esses abusos,
mas a proposta já cheirava mal sem eles. A Constituição afirma que todos são
iguais perante a lei. Pelo texto votado na Câmara, a regra deixaria de valer
para a classe política.
A rejeição da PEC foi um raro alento numa legislatura
marcada por retrocessos. Seria muito otimismo atribuir o resultado ao espírito
cívico do Senado. Quem derrotou a blindagem foi a pressão popular, exercida nas
redes e nas manifestações lideradas pela esquerda no último domingo.
Uma semana depois de ser aprovada com o voto de 353
deputados, a proposta foi sepultada por unanimidade na Comissão de Constituição
e Justiça do Senado. Mesmo assim, houve quem tentasse salvar partes do texto.
O bolsonarista Jorge Seif chegou a apresentar um voto em
separado, mas amarelou na hora da votação. Reconheceu que era preciso ouvir a
“voz das ruas”, contrária a qualquer proteção extra aos políticos.
O ex-juiz Sergio Moro, eleito com discurso antipolítica,
sugeriu barrar processos contra parlamentares por “opiniões, palavras e votos”.
Diante da repercussão negativa, retirou a emenda e votou contra a PEC.
Os congressistas precisam ter mais cuidado com o olfato
alheio. Na noite em que a Câmara aprovou a blindagem, deputados de extrema
direita festejaram recitando o pai-nosso. Em 2026, eles terão que rezar para
que o eleitor não note de onde vem a catinga.


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