Bolsonaro, que sempre defendeu ditadura e tortura, incorre
em humor involuntário quando denuncia ditadura da toga e tortura a Cid
São Paulo O masoquista é a pessoa que gosta de um
banho frio pelas manhãs e, por isso, toma uma ducha quente. Já o sádico é a
pessoa que é gentil com o masoquista.
Ok, não são as piadas mais engraçadas do mundo, mas elas
capturam bem o que Arthur
Koestler descreveu como gramática do humor. Para o
escritor húngaro, nós rimos quando percebemos um choque entre dois códigos de
regras ou de contextos, ambos consistentes, mas incompatíveis entre si.
Num plano puramente abstrato, em que fôssemos capazes de
ignorar danos concretos (prejuízos à economia brasileira) e potenciais (riscos
para a democracia brasileira), seria forçoso reconhecer que Jair
Bolsonaro e seu entorno estão proporcionando ao país um delicioso
festival de humor.
O choque de incompatibilidades aqui não se limita a
palavras, abarcando também a biografia, o que lhe confere uma camada extra de
densidade. Com efeito, Bolsonaro passou as últimas três décadas defendendo a
ditadura e a tortura.
Causa divertido incômodo, portanto, vê-lo agora denunciar
uma suposta ditadura da toga e acusar Alexandre
de Moraes de ter torturado seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid,
que se tornou delator no processo da trama golpista. Pela lógica
bolsonarista, se é verdade que Moraes torturou Cid, o magistrado deveria
receber uma medalha, pois estaria, como o sádico da piada, satisfazendo um
velho desejo do capitão reformado —um gesto de gentileza.
Bolsonaro não está só no show de stand-up comedy
involuntário. Seu ídolo Donald Trump também
incorre em choque de incompatibilidades quando determina a punição de Alexandre
de Moraes por suposta violação da primeira emenda da Constituição dos EUA, que
assegura a plena liberdade de expressão, mas reprime estudantes que participam
de protestos pró-Palestina, atos em teoria cobertos pela primeira emenda.
O problema de fundo é que os choques de incompatibilidade,
embora sejam a matéria-prima do humor, são também contradições que alimentam
várias modalidades de injustiça e estão na base do poder tirânico.


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