Ele despreza a Pax Americana erguida por seus
predecessores desde a Segunda Guerra Mundial
Donald Trump candidatou-se ao Nobel da Paz. Clama, sem
corar, ter “solucionado oito guerras” e prontifica-se a resolver a “mais
difícil”, na Ucrânia. Seu plano de paz para o conflito em Gaza reserva para si
mesmo a função de CEO de um Conselho da Paz. Trump é o improvável pacifista
destes nossos tempos belicistas.
Quem, senão um desalmado, preferiria a guerra à paz?
Pacifismo, palavra bonita, remete a Gandhi, à contracultura hippie, a jovens
manifestantes, flores à mão, diante de fileiras de policiais armados.
Bertrand Russell tornou-se um ícone do pacifismo por sua
oposição ativa à Grande Guerra (1914-1918). Às vésperas da guerra seguinte, em
1937, opôs-se ao rearmamento britânico, propondo que as futuras tropas
invasoras nazistas fossem “tratadas como visitantes”. Só desistiu do
apaziguamento em 1940, reconhecendo que, em circunstâncias extremas, a guerra
seria a menor de duas desgraças.
À época, George Orwell registrou que “a
propaganda pacifista geralmente se resume a dizer que um lado é tão ruim quanto
o outro”. Era, exatamente, a sentença esperta dos comunistas britânicos,
convertidos ao pacifismo em 1939, quando Hitler e Stálin aliaram-se no Pacto
Molotov-Ribbentrop. É o que Lula repete, desde 2022, sobre a guerra na Ucrânia
— sem, porém, furtar-se a aplaudir o desfile militar russo do Dia da Vitória na
Praça Vermelha.
Chamberlain invocou a santidade da paz ao ceder os Sudetos
tchecos a Hitler, na Conferência de Munique. Contudo interessava-lhe conservar
a neutralidade britânica, na esperança de assistir de longe à mútua destruição
entre URSS e Alemanha. Estadistas não são filósofos: Chamberlain, Lula e Trump,
ao contrário de Russell, lançam mão da retórica pacifista para alcançar fins
políticos.
O frágil cessar-fogo em Gaza, algo justamente celebrado, faz
parte de um complexo roteiro diplomático que conduziria, lá no fim, à
autodeterminação nacional palestina. O objetivo, tão distante quanto incerto, é
a única solução de paz para a Terra Santa. Trump, porém, um pacifista
recém-convertido, enxerga o plano de paz à luz de suas ambições pessoais e
estratégicas.
Primeiro, o ego: o posto de comando no Conselho da Paz, o
cobiçado Nobel, a adulação mundial. Depois, os Estados Unidos, nas esferas da
geopolítica e da economia. Um acordo geral de segurança entre Israel e os
países árabes cimentaria a hegemonia americana na região, minimizando as
influências chinesa e russa. Paralelamente, a reconstrução de Gaza ofereceria
valiosas oportunidades de negócios entrelaçando empresas dos Estados Unidos e
das monarquias petrolíferas do Golfo Pérsico.
Trump despreza a Pax Americana erguida por seus
predecessores desde a Segunda Guerra Mundial. Seu motor é o paradigma vigente
no século XIX: a divisão do mundo em esferas de influência das grandes
potências. Sob tal ponto de vista, Xi Jinping e Putin são rivais, mas também
sócios no grande jogo da ordem interestatal. Segue-se daí que, segundo seus
critérios, a invasão da Ucrânia nada mais é que uma guerra civil na “Grande
Rússia” — e deve, portanto, ser “solucionada” por meio de uma capitulação
honrosa.
Nessa busca, Trump já tentou de tudo. Expulsou Zelensky da
Casa Branca, estendeu um tapete vermelho a Putin no Alasca, pressionou o líder
ucraniano a ceder a totalidade do Donbass, ameaçou a Rússia com a venda de
mísseis à Ucrânia, anunciou sanções petrolíferas.
Nada feito. A missão pacifista de Trump choca-se com a
insistência russa na capitulação total, com a persistência dos ucranianos na
defesa de sua soberania nacional e com a resistência dos aliados europeus,
temerosos do neoimperialismo russo. O presidente americano dispõe dos meios
para silenciar as armas de Netanyahu, mas descobriu, perplexo, que os
ucranianos combaterão mesmo sem armas americanas.
Samuel Johnson definiu o nacionalismo como “último refúgio
do canalha”. Troque nacionalismo por pacifismo e a descrição permanece válida.
Não acuse Trump de exibir-se como “falso pacifista”. O pacifista verdadeiro
trata as forças nazistas como convidados e presenteia territórios de países
estrangeiros a poderosos invasores.


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