O presidente da Câmara associou-se a Tarcísio de Freitas
e Guilherme Derrite para desidratar o PL Antifacção
Hugo Motta, o Débil, parece não aprender com os próprios
erros. Depois da lambança da PEC da Bandidagem, volta
a aprontar. Desta vez, contudo, é outro o instrumento legislativo: em vez de
uma Proposta de Emenda Constitucional, um Projeto de Lei. Agora, Motta nem
sequer se deu ao trabalho de propor um projeto próprio ou encomendado a um de
seus aliados na Câmara. Em vez disso, pegou carona na proposta do Executivo
sobre as facções criminosas, optando por desfigurá-lo. Nessa sabotagem,
articulou-se com seu colega de partido no Republicanos, o bolsonarista moderado
(sic) governador de São Paulo. Tarcísio de Freitas liberou seu secretário de
segurança, o deputado licenciado Guilherme Derrite, para reassumir
momentaneamente sua cadeira em Brasília, com a única e exclusiva tarefa de
levar a cabo a empreitada e, assim, simultaneamente, atrapalhar o governo
federal e se autopromover para a disputa por uma cadeira no Senado em 2026.
Incumbido pela ultradireita de introduzir
na proposta governamental o jabuti do terrorismo, Derrite achou melhor recuar,
diante da pressão de setores do empresariado. Se o Brasil reconhecesse que seu
território é ocupado por organizações terroristas, abriria espaço para
intervenções e sanções econômicas estrangeiras. Assim, Derrite proporcionaria
por lei brasileira o que Eduardo Bolsonaro obteve fazendo lobby em Washington.
O ex-oficial da Rota não se deu, no entanto, por vencido. Se
não pode chamar de terroristas as facções do crime organizado, tentou ao menos
tratá-las como se fossem, ao equiparar penas aplicadas a seus integrantes
àquelas da Lei Antiterror. Mesmo aí há muitos problemas. O promotor paulista
Lincoln Gakiya, talvez a maior autoridade do Ministério Público no que concerne
ao crime organizado, percebeu vários defeitos na proposta. Um deles é a
indiferenciação dos níveis de importância dos criminosos. Tal indistinção é
contraproducente, pois impele as forças de segurança a se ocuparem de
pés-de-chinelo, em vez de se concentrar no ataque à estrutura dessas entidades,
o que é realmente eficaz para desbaratá-las.
Nessa seara, aliás, não deixa de se notar o fato que Derrite
tenha excluído de seu substitutivo a proposta do governo que aumentava a pena
para a constituição de milícia privada. Sabendo-se, como revelado por
reportagem de 2024 da revista Piauí, que o secretário de segurança licenciado
de São Paulo é apontado como ex-chefe de um grupo de extermínio, tal omissão
causa espécie.
A barafunda, contudo, não termina aí. O relator também
procurou minar a atuação da Polícia Federal no combate à criminalidade,
submetendo sua atuação à autorização dos governos estaduais. Como então
investigar governadores e outros atores poderosos nos estados? Diante de
reações negativas, Derrite tentou disfarçar a malandragem, dando a opção de
“apenas” obrigar a PF a formar parceria ou comunicar previamente as autoridades
estaduais. Seria como a Polícia Federal mandar a seguinte mensagem: “Ei,
pessoal! Estamos indo investigar vocês, tá ok? Podemos contar com sua ajuda?”
Mais do que desfaçatez, é um desaforo à inteligência alheia.
Tal proposta guarda parentesco com os vitupérios de
governadores da ultradireita, como Ronaldo Caiado, de Goiás, que acusam
falsamente a proposta de construção do Sistema Único de Segurança Pública,
feita pelo governo federal, de tolher a autonomia estadual. Se o boicote ao
SUSP mostra má vontade em resolver o problema por meio da coordenação
federativa e da cooperação intergovernamental, o desplante do relator produz
uma violação de competência no sentido oposto ao falaciosamente denunciado:
torna os governos estaduais imunes a qualquer investigação pela PF. Ademais,
tais mudanças da lei são claramente inconstitucionais, pois violam competências
da União, subordinando-a aos estados em questões de segurança de sua alçada. De
tão estapafúrdio seria cômico, não fosse trágico.
Enquanto isso, o que defende a ultradireita como solução
para as mazelas da segurança pública? Ora, mais ações como a recente incursão
das polícias fluminenses nas favelas cariocas da Penha e do Alemão. Tais
carnificinas são sanguinárias cortinas de fumaça. Não atacam fundamentos do
crime organizado, mas queimam as buchas de canhão, enquanto preservam os chefes
e, mais importante, a estrutura das facções. Centenas de ações mortíferas e
chacinas policiais espetaculosas nas últimas décadas não reduziram a criminalidade,
ao contrário. Assim, demonstram cabalmente a ineficácia dessa política. •
Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19
de novembro de 2025.


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