Na condição de relator do PL Antifacção, Derrite se
prestará a ser um biombo para interesses parlamentares contra o combate ao
crime organizado
O deputado Guilherme Derrite (PL-SP) foi anunciado
relator do PL antifacção no início da noite da sexta-feira. Duas horas depois,
apresentou seu relatório. Foram tantas as mudanças no texto do Executivo que
houve, nos três Poderes, quem tivesse a impressão de que o relatório estava
pronto à espera de quem encarasse a tarefa.
O deputado havia se desincompatibilizado da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo para relatar o projeto do deputado Danilo Forte
(União-CE) que equipara facções criminosas a organizações terroristas. Depois
que ficaram claras as chances de o carimbo do país como abrigo de terroristas
pressionar juros e dificultar o acesso a crédito e à atração de investimentos,
este PL entrou no limbo e Derrite foi alocado para a relatoria do projeto
governista.
Junto com ele, migraram também as intenções de quem pretende
usar um tema de forte apelo popular para proteger seus próprios interesses.
Isso ficou claro na mudança mais substantiva do relatório que é aquela que
condiciona a participação da Polícia Federal na investigação e repressão do
crime organizado à anuência do governador do Estado.
Derrite é candidato ao Senado, o que não
compromete sua escolha como relator. A maioria dos que compõem a CPI do crime
organizado também o é. O Congresso é uma casa política e é natural que isso
aconteça. O parlamentar já entrou nessa como favorito na disputa pelo Senado. O
deputado justificou a tornozeleira na PF com o argumento de que as policiais
locais é que têm experiência no combate ao crime organizado. O fato é que a
mudança mostra que sua escolha para relator se presta a um biombo de
interesses.
Se a disposição primeira fosse o aprimoramento da legislação
anticrime não teria apresentado seu relatório antes de discuti-lo, pelo menos,
com o secretário nacional de Segurança Pública. Por mais de um ano, Mario
Sarrubbo, na condição de procurador-geral de Justiça de São Paulo, coabitou,
com Derrite, a cúpula das instituições responsáveis pelo combate ao crime
organizado no Estado.
Ao tirar a PF do crime organizado, o Congresso está, na
verdade, blindando a si mesmo. Das ações em curso no STF à Operação Carbono
Oculto, emergiram indícios de que emendas parlamentares e crime organizado não
apenas estão imiscuídos na estrutura política de municípios como lavam dinheiro
nas mesmas fintechs.
Basta ver o que aconteceu dois dias antes de Derrite ser
escolhido relator e apresentar seu texto. Uma operação do Ministério Público e
da Polícia Civil do Piauí constatou indícios de infiltração do PCC numa rede de
postos de combustíveis naquele Estado, no Maranhão e no Tocantins. A operação,
que adulterava combustíveis, se valia de fundos de investimento e fintechs de
São Paulo para ocultar patrimônio.
Esta operação se concretizou graças ao compartilhamento de
informações da Carbono Oculto, deflagrada pelo MPSP, Receita Federal, Polícia
Federal e as Polícias Civil e Militar de São Paulo, com as autoridades
policiais do Piauí, que vinham investigando o setor de combustíveis naquele
Estado desde 2023. Um dos alvos de busca e apreensão da operação é um aliado do
senador Ciro Nogueira (PP-PI).
O senador não comenta a operação, mas tem tido dificuldades
de se desvencilhar de tudo isso desde que colocou sua assinatura em emendas que
excluíam o setor de combustíveis do escopo do projeto do devedor contumaz. A
Operação Carbono Oculto, que mostrou a relação de devedores contumazes do setor
de combustíveis com o crime organizado, acabou tirando o PL do limbo no Senado.
Por outro lado, levou a Câmara à aprovação da PEC da blindagem.
Todos os avanços legislativos nessa matéria têm acontecido à
revelia da Câmara. O PL do devedor contumaz passou no Senado e estancou na
Câmara. A PEC da blindagem passou na Câmara e foi barrada no Senado. E, agora,
foi também na Câmara que encontraram um parlamentar para abrigar a retirada de
cena da PF.
Depois de ter chegado à presidência da Câmara pelas mãos de
Nogueira, de seu antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e das articulações
do ex-deputado Eduardo Cunha, Hugo Motta (Republicanos-PB) terá dificuldades,
com uma gestão tão errática, de permanecer no cargo. Flerta com o governo, que
também o ajudou a se eleger, mas não falta aos seus mentores insistindo em
viabilizar, em todas as janelas de oportunidade, a blindagem do crime e, agora,
a neutralização do principal órgão de repressão ao crime organizado no país.
A investida ainda teria como beneficiário o governador do
Rio, Cláudio de Castro, que tentou, por meio da Procuradoria-Geral do Estado,
anular um dos resultados da Operação Carbono Oculto, a interdição da Refinaria
de Manguinhos, e terá que se ver agora com o inquérito instaurado pela Polícia
Federal, a mando de Alexandre de Moraes.
Basta ver a lista de pedidos enviada nesta segunda pelo
ministro ao governo do Rio - das imagens das câmeras corporais aos relatórios
de inteligência da polícia civil do Rio que indicavam a presença dos alvos dos
mandados de prisão no local da operação - para se concluir que o STF poderá ter
em mãos fartos indícios de descumprimento, pelo governo e pelo chefe do
Executivo, da ADPF 635, que determinou as condições a serem cumpridas pelas
operações policiais nas comunidades.
O que ainda não ficou claro é como esta ofensiva do governo
federal para defender as prerrogativas da PF pode vir a mobilizar a opinião
pública ante a capacidade da direita de arregimentá-la no debate da segurança
pública. Derrite já se disse admirador de Nayib Bukele, o presidente de El
Salvador que fez despencar os homicídios com mudanças constitucionais que
concentraram poderes ditatoriais na sua mão. Nada mais distinto do
neo-federalismo radical do deputado, mas desde sua escolha para relator, explodiram
buscas na internet sobre Bukele.


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