Em pleno Dia da Consciência Negra, o presidente formaliza
a indicação de Jorge Messias, fiel aliado na Advocacia-Geral da União, para o
STF
É fogo. Em pleno Dia da Consciência Negra, o presidente da
República formaliza a indicação de Jorge Messias, fiel aliado na
Advocacia-Geral da União, para o Supremo Tribunal Federal. O ato, previsto
desde que Luís Roberto Barroso anunciara saída antecipada, no início de
outubro, poderia ter ocorrido antes ou depois do 20 de novembro. Mas Luiz
Inácio Lula da Silva escolheu o feriado que ele próprio sancionou em 2023, como
a indicar ser imune ao desejo de representatividade de negros e mulheres, base
eleitoral que sempre o sustentou. No Planalto, lealdade é via de mão única. O
mandatário escolheu ser criticado pela grosseria, em vez de incensado por ter
assinado, também anteontem, 28 decretos tornando de interesse social
territórios quilombolas de 14 estados, do Piauí ao Rio Grande do Sul. O caminho
para a titulação de 31 comunidades que abrigam 5.200 famílias afrodescendentes
acabou eclipsado pelo Messias.
Não faz muito, participei no México de dois
dias de conferência sobre democracia e violência, a convite do Conversatório
Latino-Americano, de que, pelo Brasil, faz parte o Iesp-Uerj. Nas rodas de
debate, militarização e domínio de território por facções e cartéis do tráfico
internacional de drogas foram mazelas comuns apontadas por acadêmicos,
autoridades e comunicadores de países como Colômbia, El Salvador, Honduras,
Argentina, além de Brasil e México. Nas eleições, há convergência no
crescimento da abstenção. Uma pesquisadora do Haiti, nação em frangalho
institucional, lembrou que o índice de comparecimento às urnas saiu de 70%, há
meio século, para 21% no último pleito, em 2016.
A um ano da eleição presidencial, pesquisas dão pistas do
desencanto prévio do eleitorado nacional. Diante do museu de novidades que são
as cartelas de candidatos, praticamente um em cada cinco brasileiros diz que
votará nulo, em branco ou faltará. Na mais recente consulta da Quaest, a
proporção varia de 12%, quando Lula e Jair Bolsonaro aparecem entre as opções,
a 24%, quando o atual presidente e o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, são apresentados. Nas estatísticas oficiais do TSE, a soma de ausências
e votos não computados beirou 30% do total de eleitores, tanto em 2022 quanto
em 2024. “E qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d’água”, recitava
Chico Buarque há 50 anos.
O poder político no Brasil, de tão homogêneo, lembra uma
floresta de eucalipto. Nas pesquisas deste ano, a única mulher a figurar entre
os candidatos é a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, ainda que, ao menos,
três nomes das urnas em 2018 e 2022 — Marina Silva, Simone Tebet e Soraya
Thronicke — sigam ativas na vida pública. Sabotar a diversidade num país em que
mulheres e negros são mais da metade da população também é golpear a
democracia.
A semana da Consciência Negra, idealizada como momento para
exaltar conquistas e reclamar direitos, foi pontuada por manifestações de que
racismo e exclusão estão longe de ser sepultados no Brasil. Em São Paulo, um
policial militar foi com colegas de corporação armados à Escola Municipal
Antônio Bento, para coagir a diretora. Ele não gostou de uma atividade
pedagógica com desenho de orixás na turma da filha, de 4 anos. No Rio, a
família de uma aluna de 5 anos denunciou racismo religioso à Secretaria Municipal
de Educação. A criança, de religião de matriz africana, ofereceu à professora
uma flor amarela, associada a Oxum. Em retribuição, ouviu da (suposta)
educadora uma reprimenda contra demônios e diabos. Para não deixar dúvidas, a
docente repetiu a ofensa à avó paterna e à mãe da criança, que foram à unidade
de ensino denunciar a intolerância.
O desprezo político e o fundamentalismo religioso se impõem
na sociedade brasileira, 330 anos após o assassinato de Zumbi dos Palmares,
último líder do quilombo tornado símbolo da resistência à escravidão e da luta
dos negros por liberdade; 137 anos depois da assinatura da Lei Áurea; há quase
quatro décadas da promulgação da Carta Magna de 1988, que fez do racismo crime
inafiançável, da laicidade um princípio, da igualdade um norte.
De negros, mulheres, indígenas, os homens assentados no
poder querem somente os votos. A luta por direitos é criminalizada; a cobrança
por representatividade, desqualificada; os questionamentos, silenciados; a luta
por justiça, desprezada. Empunham, até hoje, chicotes e cabrestos — reais e
imaginários — de que não abrem mão. Mas há resistência, como se viu em Belém,
na diversa e volumosa Marcha Global pelo Clima, no feriado da Proclamação da
República, durante a COP30. E se verá em Brasília, terça que vem, na Marcha das
Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver, uma década depois da primeira
edição, em 2015.


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