O presidente resolveu publicizar a escolha no feriado
nacional que celebra o Dia da Consciência Negra. Não há nenhuma explicação para
essa atitude que não seja o interesse em demarcar um antagonismo com a demanda
por maior representatividade na corte
Em movimento previsto, Lula indicou o atual Advogado-Geral
da União, Jorge Messias, para a vaga no Supremo Tribunal Federal. O
jurista indicado atende aos requisitos que, aos olhos do presidente, são
importantes nesse momento: é de sua extrema confiança, evangélico, de
boa formação. A preferência por Messias já era conhecida, mas não consigo
pensar em momento mais inoportuno para comunicar a decisão.
Comecemos pela dimensão simbólica. O presidente resolveu
publicizar a escolha no feriado nacional que celebra o Dia da Consciência Negra. Não há nenhuma explicação
para essa atitude que não seja o interesse em demarcar um antagonismo com a
demanda por maior representatividade na corte.
É como se dissesse à parte da sociedade:
não adianta espernear, quem decide sou eu, e a agenda da representatividade
no Judiciário não é importante para mim. Não foi decente, pareceu um
escárnio irônico com todas as vozes públicas que levantam um ponto importante
do debate: qual o lugar social da pessoa negra no Brasil?
Ainda nesse caminho, um outro ponto: a escolha de
um homem evangélico para ocupar uma vaga numa corte de 11 ministros
onde apenas uma mulher tem assento, com aposentadoria prevista para breve.
Evangélicos têm uma leitura moral muito conservadora sobre autonomia feminina,
direitos reprodutivos e dinâmicas familiares mais diversas.
É impressionante que o presidente tenha conseguido
desatender, ao mesmo tempo, ao pleito do movimento negro e do movimento
das mulheres, dados os compromissos eleitorais assumidos.
O timing pareceu errado também por questões ligadas à guerra
travada no Parlamento. O Executivo acaba de amargar uma derrota com a aprovação
do projeto de lei antifacção na Câmara dos Deputados. Lula precisa
mais do que nunca de um Senado Federal simpático e afável. Messias não agrada a
casa, que tem uma preferência clara pelo nome de Rodrigo Pacheco.
O presidente do Senado Federal, que é um homem
hábil mas não exatamente sutil, já anunciou a votação de pauta bomba para
os próximos dias. Assim, a lista de descontentes com a indicação só cresce.
O desconforto generalizado com a intransigência de Lula é
oportuno para pensarmos coletivamente sobre a necessidade de atualizar o nosso
desenho constitucional e rediscutir a norma que atribui ao Presidente da
República a prerrogativa de indicar os nomes para o STF. É um modelo pouco
democrático, quando um indivíduo detém um poder extremado, que nos deixa muito
reféns de partidarismos.
Quem sabe não seja a hora de Senado
Federal exercitar o seu contrapeso, recusando o nome indicado, e forçando
o debate público sobre as escolhas para o Supremo? A democracia também
necessita de boas crises para sobreviver (e se atualizar).


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