Os EUA implodem a ordem mundial que garantia a sua
hegemonia
O ano de 2025 colocou fim ao século XX, ao menos na
estrutura de poder, nas regras, alianças, acordos e tarifas desenhadas. Desde
sua posse, em janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desmontou
as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial e que garantiam a
hegemonia norte-americana. Trump suspendeu os financiamentos às Nações
Unidas e obrigou suas agências a demitir centenas de funcionários e a fechar
programas de auxílio. A partir de decretos presidenciais ou rupturas abruptas,
colocou um fim ao direito internacional como conhecíamos, relativizou o
conceito de soberania, ameaçou invadir territórios estrangeiros, chantageou,
deportou, impediu a entrada de refugiados, rasgou as regras internacionais do
comércio, do direito humanitário e adotou o nacionalismo econômico e industrial
como base de seu modelo de crescimento. Alianças de segurança que pareciam
inabaláveis estão em ruínas. Parcerias de 80 anos foram suspensas e a maior
máquina militar do mundo agora tem um Departamento da Guerra, não de Defesa.
Para o republicano, a velha ordem não
estava apenas obsoleta. Tornou-se um obstáculo às suas ambições de poder. E,
portanto, precisava ser desmontada. Não há loucura alguma, ainda que a
vulgaridade prevaleça. Trata-se de um plano muito bem traçado e a fome por
retomar a influência econômica e militar no planeta, a qualquer custo.
Num recente artigo na revista Foreign Affairs, o presidente
da Finlândia, Alexander Stubb, confirmou o choque que líderes vivem ao ter de
lidar com os acontecimentos que se multiplicam. “O mundo mudou mais nos
últimos quatro anos do que nos 30 anteriores”, escreveu. “Nossos noticiários
estão repletos de conflitos e tragédias. A Rússia bombardeia a Ucrânia, o
Oriente Médio ferve e guerras assolam a África. À medida que os conflitos
aumentam, as democracias, ao que parece, estão em declínio. A era pós-Guerra
Fria acabou. Apesar das esperanças que se seguiram à queda do Muro de Berlim, o
mundo não se uniu para abraçar a democracia e o capitalismo de mercado. De
fato, as forças que deveriam unir o mundo – comércio, energia, tecnologia e
informação – agora o estão fragmentando.”
Não existe mais dúvida de que o mundo vive a forma do mundo
multipolar, com norte-americanos, russos e chineses desenhando o que será a
nova ordem. Todos sabem que ela está em construção. Ninguém ousa dizer, porém,
que formato ela tomará. Fato: nenhum continente foi poupado. A conquista
de território voltou a ser uma prioridade, num momento em que o mundo digital
se transforma num poder paralelo.
Como jogadoras de xadrez, as diplomacias das potências atuam
para resguardar seus interesses e ampliar suas zonas de influência. Trump,
por exemplo, aproveitou o vácuo deixado pela Rússia no Irã, Síria e Venezuela
para agir. Teerã, desprotegida, foi abalada por ataques aéreos. Na Síria,
Bashar Al-Assad foi escorraçado do poder, enquanto em Caracas paira no ar a
ideia de que a América Latina voltou a ser considerada o quintal dos EUA.
Os choques foram inevitáveis. Ainda no início do segundo
mandato, o presidente dos EUA manteve uma conversa tensa com a
primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen. Motivo? O magnata queria
anexar a Groenlândia, território estratégico na disputa pelo Ártico e as rotas
comerciais com a China. “Quando se exige a anexação de parte do território
do Reino da Dinamarca, quando somos pressionados e ameaçados pelo nosso aliado
mais próximo, em quem podemos acreditar no país que admiramos há tantos anos?”,
perguntou Frederiksen.
A tensão também chegou a um ponto de ebulição entre o
norte-americano e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro. O ucraniano
Volodymir Zelensky foi humilhado publicamente, enquanto os europeus descobriram
que nem sequer fazem parte da mesa de negociação quando o assunto é o destino
de seu próprio território.
A China sai de 2025 mostrando sua força, tanto por conta de
um saldo positivo na balança comercial de 1 trilhão de dólares quanto por ter
confrontado os norte-americanos com tarifas e suspensão de encomendas. Suas
exportações ao mercado dos EUA caíram 30%, mas aumentaram em 6% para o resto do
planeta, revelando a resiliência e capacidade de transformação de sua pauta
exportadora.
Se 2025 foi o ano do choque, tudo indica que 2026 promete
ser o início de um processo no qual veremos os primeiros contornos desse novo
equilíbrio de poder no planeta. Será o período da transição para a
multipolaridade, fortemente moldado pelas ações de Trump para reestruturar a
ordem econômica e geopolítica global e recolocar os EUA na disputa pela
hegemonia em cada um dos setores estratégicos. Mas 2026 vai ser moldado
também a partir de como o resto do mundo vai reorganizar-se para conter a ambição
norte-americana, mitigar esses riscos ou aproveitar novas oportunidades. A
Europa terá de decidir quem é no mundo, como se defenderá e quem serão seus
novos parceiros. De fato, em sua estratégia de defesa nacional, o republicano
não fez qualquer referência ao caráter autoritário da China ou da Rússia. Mas
colocou em xeque a democracia europeia e fez questão de atacar os valores da
UE. O aviso está dado.
O próximo ano ainda será de testes para o movimento de
extrema-direita mundial, com eleições decisivas em Israel, Hungria e mesmo nos
EUA, com a renovação de parte do Congresso. Nesse contexto, a América
Latina vive dias que podem definir seu destino. Rachada e balcanizada, a região
vai acompanhar com atenção máxima as disputas na Colômbia e no Brasil. Um
eventual retorno da extrema-direita ao poder em Brasília terá repercussões para
muito além das fronteiras nacionais, fortalecendo a postura de Trump no hemisfério
e abrindo caminho para um aprofundamento do alinhamento do continente aos
interesses estratégicos dos EUA.
Este 2025 encerra, portanto, uma ordem internacional. Na
melhor das hipóteses, 2026 pode ser o ano da desordem controlada, típica dos
momentos de transição. Mas que carrega em si os riscos de um cenário no qual a
perda de controle acidental ou deliberada é uma opção. E, com ela, um desastre
global.
Publicado na edição n° 1395 de CartaCapital, em 14
de janeiro de 2026.


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