Se Trump obtiver êxito na Venezuela, será a legitimação
da força bruta
Política externa trumpista não promoverá volta a um
passado dourado
Donald Trump anunciou
recentemente o fechamento do espaço aéreo sobre a Venezuela e
ao redor dela.
Rondam o país o mais avançado porta-aviões do mundo;
destroieres e mísseis teleguiados; navios anfíbios e lanchas de ataque rápido;
um submarino nuclear; caças de última geração que executam bombardeios de
treinamento a partir do porta-aviões; bombardeiros estratégicos fazendo
demonstrações no espaço aéreo caribenho; helicópteros de operações especiais de
vigilância e reconhecimento; e entre 13 mil e 15 mil militares em concentração.
Tudo isso a pretexto de combater o narcotráfico no Caribe e
no Pacífico, mas, como é óbvio, para forçar Nicolás
Maduro a deixar o poder.
Se o ditador venezuelano renunciar, não
deixará saudades. Mas o que a tática de Trump causará para livrar a Venezuela
do autoritarismo —se livrar, o que não está assegurado— é um mal muitas vezes
maior do que aquele que o sucessor de Chávez vem impondo a seu povo.
Significará a legitimação do uso da força bruta nos
conflitos internacionais. Tudo o que o direito, os regimes e as organizações
internacionais trataram de evitar, como mais ou menos êxito, nos últimos cem
anos, especialmente depois de 1945.
Analistas divergem sobre a existência de uma doutrina a
sustentar a destrutiva política exterior do presidente americano. Há quem
argumente que uma pessoa incapaz de proferir duas frases coerentes e que parece
movido pelos seus mais primários instintos dificilmente conseguiria articular
um conjunto de princípios a nortear suas iniciativas internacionais. No máximo,
Trump se orientaria pelas fórmulas simplórias que organizou no manual "A
Arte da Negociação", anterior à sua chegada à Casa Branca.
Na contramão dos que acreditam que não há que buscar
doutrina onde falta lógica, o cientista político americano Ronald Krebs, em
recente conferência na London School of Economics, defendeu ser possível
discernir um conjunto de ideias reacionárias, nutridas por sentimentos
arraigados numa parcela do público americano. Elas inspiram tanto a política
externa como as iniciativas domésticas do ocupante do Salão Oval, de muitos de
seus auxiliares e do movimento Maga (Make America Great Again).
São reacionárias porque remetem a um passado idealizado, uma
Idade de Ouro, quando os EUA eram uma potência ascendente —forte, respeitada e
branca—, antes de ser corroída pela globalização, pela imigração, pelo
multiculturalismo e pelas instituições multilaterais.
Nessa retrógrada fantasia, o país seria vítima de seus
aliados parasitas: as organizações internacionais, armadilhas que drenam
recursos internos. Na arena global, os conflitos sempre somariam zero,
produzindo ganhadores ou perdedores; e cada relação com outro Estado uma
transação, na qual só vale perseguir o ganho imediato. Eis que a política
externa seria um instrumento para reverter supostas perdas e estabelecer uma
hierarquia global na qual os EUA mandam e os demais obedecem.
Só os reacionários imaginam que a história dá marcha-à-ré.
Se o professor Krebs estiver certo, a política externa trumpista não promoverá
volta a um passado dourado, mas o crepúsculo da influência americana no mundo.


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