Os ministros viraram entidades próprias, e cada um atua
de acordo com seu pensamento e seu desejo, e não com a Constituição.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
decidiu monocraticamente alterar a legislação que prevê o impeachment de
ministros do Supremo, impondo vários obstáculos novos a que isso aconteça, num
movimento político de blindagem própria e de seus colegas de plenário. Temem
que, na próxima eleição, a direita assuma uma maioria no Senado que permitiria
aprovar impeachment de ministros. No mesmo dia, outro ministro do Supremo, Dias
Toffoli, também por decisão própria, avocou a si todo o processo que investiga
o banqueiro Daniel Vorcaro e ações correlatas, decretando o mais alto grau de
sigilo. Não à toa, a defesa dos implicados festejou a decisão.
A indicação do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União
(AGU), Jorge Messias, também explicitou um racha dentro do plenário do STF. De
um lado, o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro, trabalhando
arduamente a favor de Messias (ministro de esquerda apoiado por ministro da
direita). Em comum, são terrivelmente evangélicos, adicionando à crise política
um componente religioso que não deveria estar nesse jogo, pois o Estado é
laico. Messias chama Mendonça de “irmão de fé”.
De outro lado, os ministros Alexandre de
Moraes e Flávio Dino, que defendiam a indicação de Rodrigo Pacheco,
ex-presidente do Senado, e não querem Messias. Dino, por mera questão pessoal:
quando foi indicado ao Supremo, Messias competia com ele. Se desentenderam,
parte do governo Lula apoiava Messias, e a convivência dos dois ficou
prejudicada.
A política entrou definitivamente no plenário do Supremo. A
escolha de um ministro depende, assim, de questões políticas ou religiosas, e
os ministros do STF assumem o lugar do presidente da República, a quem cabe
pela Constituição escolher os integrantes da Corte.
No fundo, estão em jogo as investigações não apenas das
emendas parlamentares, mas a operação Carbono Oculto, que desbaratou a
quadrilha da Faria Lima que manipulava gasolina e diesel, com lavagem de
dinheiro de fintechs; a investigação do Banco Master, com muitos parlamentares
envolvidos no mínimo em troca de favores, podendo chegar até a ligação com o
submundo do crime organizado.
Esses grupos políticos estão preocupados com isso e
comemoram as decisões de Toffoli em relação ao processo de Vorcaro. Mas
reclamam da interferência de Gilmar, que “legislou em causa própria”. São
relações complexas de Poderes, que dependem uns dos outros, mas cujos
interesses próprios muitas vezes colidem. Não há nada que se compare ao sistema
de freios e contrapesos imaginado para a democracia funcionar.
Assistimos à apropriação da coisa pública por interesses
particulares, corporativos, políticos ou religiosos. O próprio presidente da
República desinstitucionalizou a escolha dos ministros do STF em nome da
lealdade pessoal, que não deveria ser um requisito aceitável numa democracia
contemporânea. O conceito de lealdade também ganhou novos significados, pois os
ministros que Lula indicou anteriormente, como Ayres Britto, Joaquim Barbosa,
Cármen Lúcia, Luiz Fux e outros, só são considerados desleais a ele por
condenarem os envolvidos no caso do mensalão. Mas foram leais à Constituição.
Presenciamos, desde o momento em que Lula saiu da cadeia por
uma mudança na legislação que o Supremo decidiu, uma atuação política que não
combina com o papel institucional da Corte. Os ministros viraram entidades
próprias, e cada um atua de acordo com seu pensamento e seu desejo, e não com a
Constituição. Fomos aceitando exageros de interpretação, mas, como era para
defender a democracia, vá lá. E vemos a democracia ser corroída por aqueles que
supostamente trabalharam para salvá-la.


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