Blindagens por canetadas de Gilmar e Toffoli são golpe do
Supremo na democracia
O Supremo Tribunal Federal resolveu dar dois mimos de fim de
ano aos brasileiros. No primeiro, o ministro Gilmar
Mendes suspendeu numa canetada a possibilidade de qualquer cidadão
apresentar denúncia contra os ministros por crime de responsabilidade. O decano
do STF decidiu ainda que
só o procurador-geral da República pode fazer isso, e a votação mínima no
Senado apenas para deixar o caso seguir passa a ser de dois terços, e não mais
maioria simples.
Na prática, o Supremo produziu sua própria
PEC da blindagem, parecida com a que a Câmara tentou aprovar em setembro,
rechaçada pelas ruas. Assim como os deputados tentando garantir que qualquer
investigação sobre eles só pudesse ser aberta com aval da Câmara ou do Senado,
Gilmar está com medo. As eleições de 2026 renovarão dois terços do Senado, e
parte do STF anda assombrada com o esforço da direita para eleger o maior
número de senadores e ter força para “impichá-los”. Ele mesmo escreveu, ao
justificar sua liminar, que visa a proteger os ministros de “impeachments
abusivos”, do risco de “processos baseados em discordâncias políticas” e da
“propagação do arbítrio pela intimidação e retaliação política”.
Noutra canetada, o ministro Dias
Toffoli avocou para si todas
as decisões relativas ao Banco Master, de Daniel Vorcaro, que já tinha
sido solto no fim de semana. A partir de agora, nenhuma diligência pode ser
feita sem autorização dele. Toffoli aceitou a alegação da defesa de que o
Supremo é o foro competente para as investigações, já que a PF apreendeu a
minuta de um contrato imobiliário entre Vorcaro e o deputado do PL João Carlos
Bacelar, que tem foro privilegiado.
O negócio não foi realizado e nada tem a ver com a
falsificação de créditos que levou
ao pagamento de R$ 12,2 bilhões ao Master pelo BRB, mas bastou para Toffoli
tirar o processo da Justiça Federal e colocar a papelada em
alto grau de sigilo.
Na prática, a decisão fere de morte a apuração das
responsabilidades sobre uma das maiores fraudes do sistema financeiro nacional,
que lesou ao menos 1 milhão de investidores. Blinda Vorcaro e sua turma, mas
também um pelotão de poderosos da política e do Judiciário com quem o banqueiro
se gabava de manter relações próximas e bastante lucrativas — como o próprio
Toffoli, no ano passado convidado VIP de um evento realizado em Londres com
patrocínio do Master. Gilmar também estava lá com Alexandre
de Moraes, cuja mulher, Viviane, é
advogada do Master. Até hoje não se
sabe quem pagou as despesas de nenhum deles.
O texto constitucional diz que é prerrogativa do Senado
julgar e processar os ministros do STF, mas para Gilmar isso representa
intervenção de um Poder no outro. A Constituição também diz que é o Supremo
quem investiga os parlamentares, mas contra esse dispositivo nunca vimos o
ministro se insurgir. De acordo com nossa lei maior, não cabe ao tribunal
legislar, mas foi exatamente o que ele fez ao derrubar artigos da Lei do
Impeachment e ao criar outros sem passar pelo Congresso.
A decisão de Gilmar completa um “liberou geral” iniciado há
dois anos, quando os ministros se autoconcederam a permissão para julgar
processos de escritórios em que seus parentes atuam. Ele e sua turma fingem
ignorar que o fato de “legalizarem” uma imoralidade não a torna menos imoral.
Há alguns anos, Gilmar mandou soltar um empresário cuja
filha foi sua afilhada de casamento — Jacob Barata, preso por envolvimento com
o cartel dos ônibus do Rio de Janeiro. No ano passado, concedeu um habeas
corpus ao presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que tinha contrato
de R$ 9,2 milhões com a faculdade administrada por seu filho.
Toffoli, por sua vez, se manteve firme na esdrúxula decisão
de suspender as multas do acordo de leniência da JBS, apesar de sua mulher ter
advogado para a empresa naquele mesmo processo. E foi rápido ao tirar Vorcaro
do aperto sem justificativa plausível.
Ao justificar sua PEC da blindagem particular, Gilmar diz
que o “impeachment infundado” de um ministro enfraquece o Estado de Direito,
porque “mina a confiança pública nas próprias instituições que garantem a
separação de Poderes e a limitação do Poder”.
A limitação de poder é um pilar da democracia, e o que mina
a confiança nas instituições é o escárnio com que elas tratam os cidadãos. Com
suas decisões, Gilmar e Toffoli deixam claro que se consideram intocáveis e
querem fazer crer que qualquer questionamento sobre suas condutas configura
perseguição política. Um bolsonarista diria o mesmo sobre seu Mito. Mas isso,
sabemos, é golpismo.


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