Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios
de que Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, teria negócios que
envolveriam o filho do presidente da República
“Filhos, porque qui-los”, diria Apparício Fernando de
Brinkerhoff Torelly, o humorista Barão de Itararé, parafraseando o
ex-presidente Jânio Quadros. A frase ilustra o dilema político e moral dos
presidentes que, no exercício do cargo, veem familiares cruzarem a linha tênue
entre o público e o privado. No caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a
Operação Sem Desconto e seus desdobramentos na Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito do INSS criam um novo cenário para a atuação do colegiado, corrosivo
para a imagem do governo e de grande risco eleitoral, por causa do suposto
envolvimento de seu filho Fábio Luís Lula da Silva com o operador central do
esquema de desvio de recursos de aposentados e pensionistas, Antônio Carlos
Camilo Antunes, o “Careca do INSS”.
A CPMI do INSS vinha sendo administrada com
relativa tranquilidade pelo governo. A base aliada conseguiu impor maioria,
controlar a pauta e barrar convocações consideradas sensíveis, como as do
próprio Fábio Luís Lula da Silva e do irmão do presidente, Frei Chico,
vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, que entrou de gaiato no
navio, ao assumir o cargo após o escândalo. A blindagem institucional pode não
eliminar o desgaste eleitoral e político: quanto mais o governo atuar para
conter o avanço da CPMI, maior será a impressão de que há algo a esconder,
percepção que alimenta a narrativa da oposição e amplia o custo político do
controle da comissão.
Criado em 27 de junho de 1990, o INSS é a fusão do Instituto
de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas) com o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Inicialmente, ele era uma
autarquia vinculada ao então Ministério da Previdência e Assistência Social.
Desde então, as fraudes se sucedem. Esse escândalo do INSS deixa no chinelo o
caso mais famoso.
Jorgina de Freitas era procuradora previdenciária desde
1988. Em 1991, foi descoberto um grande esquema de fraude que desviou bilhões
do INSS, no qual ela estava envolvida: um grupo de 20 pessoas forjava processos
de indenização milionários. Jorgina fugiu em 1992, após ser condenada, e só foi
capturada em 1998, na Costa Rica. Ela ficou presa por 12 anos, perdeu o
registro da OAB e ainda foi obrigada a devolver R$ 200 milhões aos cofres
públicos. Solta em 2010, ela morreu em julho de 2022.
Agora, as investigações da Polícia Federal indicam um
esquema nacional de descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS,
praticados entre 2019 e 2024, com prejuízo estimado em até R$ 6,3 bilhões.
Trata-se de um crime que atinge diretamente aposentados e pensionistas, público
historicamente associado à base eleitoral de Lula e do PT. Isso torna o
episódio duplamente perigoso: pelo volume financeiro envolvido e pelo
simbolismo político da vítima. O governo tomou medidas efetivas para reembolsar
os lesados, e a Polícia Federal investiga os envolvidos.
Filho de César
Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de
que Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, teria negócios que
envolveriam Lulinha, inclusive com transferências financeiras vultosas,
empresas no exterior e projetos comerciais sensíveis. Ainda que tais acusações
não tenham sido comprovadas, a suspeita favorece a narrativa da oposição e
produz efeitos midiáticos relevantes. É aquela história famosa da mulher de
César, o grande imperador romano; não basta ser honesta, precisa parecer honesta.
O presidente Lula foi obrigado a vir a público dizer que “ninguém ficará livre”. Adotou uma postura institucionalmente correta, porém muito constrangedora: “Se tiver filho meu envolvido nisso, ele será investigado”, declarou. O que Lula pode fazer é separar o chefe de Estado do pai, reafirmar a autonomia da Polícia Federal e do Judiciário e demonstrar compromisso com a legalidade. É a única postura possível para quem tem o discurso da justiça social e do combate às desigualdades. Entretanto, não será fácil impedir convocação, quebras de sigilo e aprofundamento de investigações na CPMI que mirem Lulinha.
Essa é a grande dor de cabeça do governo. CPMIs não são apenas um instrumento de apuração factual; são arenas políticas, nas quais se digladiam governo e oposição, por meio de vazamentos seletivos e disputas simbólicas. A oposição encontrou uma oportunidade de associar a corrupção bilionária e os prejuízos a aposentados ao suposto favorecimento a familiares do presidente, narrativa de fácil comunicação com a opinião pública. Além disso, o envolvimento do senador Weverton Rocha, alvo de busca e apreensão, mostra que o caso não envolve apena ex-gestores do INSS e entidades sindicais. Com parlamentares, a CPMI recupera densidade política.


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