A crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um
estímulo para que as pessoas compreendam a falta que um governo faz num país.
O governo tinha condições de prever a paralisação. Possui
recursos para a inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para
entender a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com
os caminhoneiros.
Portanto, falhou nesse quesito. Sua saída seria ter um plano
para permitir que, apesar da greve, o país funcionasse no essencial. Mas nunca
se aprovou uma estratégia de defesa nacional, apesar de o projeto ter uma
década de existência.
O Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país
vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída
dos caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente, deu
certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos que se
deslocam para trabalhar.
O Brasil poderia estar menos dependente da gasolina. Mas
congelou o projeto que impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas
descobertas do pré-sal, acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.
Da mesma forma, o Brasil poderia ter mantido e desenvolvido
suas ferrovias. Mas caiu na ilusão tão comum no Novo Mundo: uma nova opção
tecnológica remete as outras para os museus.
O preço da gasolina não precisava ser tão alto. Cerca de 45%
são impostos. A máquina dos governos em Brasília e nos estados não dispensa
esse dinheiro porque jamais soube reduzir seus custos.
Os políticos e a elite burocrática ainda não caíram na
realidade. A máquina administrativa é de um país ilusório, muito mais rico do
que o país de concreto, que todos habitamos de carne e osso.
É esse país da fantasia que precisa desaparecer com a sua
máquina do Estado catapultada para o mundo real. Vivemos um momento de avanços
tecnológicos que poderia tornar o enxugamento dos gastos mais fácil que no
passado.
Não creio que gastando mais com o país e menos com o seu
governo arriscaríamos a competência ou mesmo a dignidade dos cargos.
No país real, a dignidade de uma elite governante também se
mede pelo seu esforço em ser austera, pela decisão de compartilhar nossas
limitações cotidianas. E não por construir um oásis particular no deserto de
nossa desesperança. A ausência de um governo revela também a nossa fragilidade
quando não dispomos desse instrumento. De repente, o Brasil parou, somem os
alimentos, em alguns lugares também a água mineral.
É como se o país trocasse de mãos. Não só estradas, como
refinarias foram bloqueadas. Uma coisa é fazer greve, outra intervir na vida
dos outros e do próprio governo. Os lances ilegais não foram punidos, nem
apurados os indícios da presença das grandes empresas na greve. Paradoxalmente,
num momento de fragilidade como esse a sociedade encontra uma possibilidade de
mostrar sua força.
Para muitos, o que se passa no universo político não
interessa, o melhor é deixar de lado e cuidar da própria vida. Mas eis que uma
paralisação como essa revela claramente que não existe vida própria, blindada
contra os descaminhos da elite dirigente. Gasolina, alimentos, água de beber
tudo isso invade a existência pessoal com seus vínculos familiares.
A greve foi um momento em que nos sentimos muito sós. Mas
abre a chance de nos reunirmos em torno da ideia de um país, uma cultura,
enfim, de retomar algum nível de sentimento nacional. Isso passa por uma grande
sacudida no país da fantasia.
Artigo publicado no Globo em 26/05/2018
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