Uma das causas históricas da crise fiscal que o país
atravessa e da radicalização política que estamos vivendo talvez tenha sido a
morte prematura do presidente Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse, em
1985. Explico: a decorrência natural de sua eleição no colégio eleitoral,
amparada por ampla mobilização popular, seria a formação de um governo
liberal-conservador, capaz de executar um programa com essas características
tanto do ponto de vista econômico quanto social, o que nenhum de seus
sucessores até hoje fez.
Provavelmente, a Constituinte de 1988 também teria outras
características, pois o processo seria liderado por um presidente eleito e
parlamentarista; e não por José Sarney, um vice presidente contingenciado por
um partido que ganhou e não levou, mas deu as cartas na elaboração da
Constituição, sob comando de Ulysses Guimarães, um democrata radical, que era
presidencialista e havia liderado a campanha das Diretas, já!
Tancredo havia participado de todas as manifestações dessa
campanha, mas nunca afastou a possibilidade de o PMDB disputar a Presidência no
colégio eleitoral, onde a eleição era indireta, caso a emenda Dante de Oliveira
não fosse aprovada por maioria absoluta, como acabou acontecendo em 25 de abril
de 1984. No final de junho, o PDMB lançou seu nome à sucessão do presidente
João Figueiredo. Quatro dias depois, a Frente Liberal, dissidência do PDS,
rompeu com o governo, e aderiu à candidatura de Tancredo. Na formação da
Aliança Democrática, a Frente Liberal indicou Sarney para a vice-presidência.
Com 480 votos, Tancredo Neves atraiu setores conservadores
que até então apoiavam o regime militar e derrotou Paulo Maluf, o candidato do
antigo PDS, que obteve apenas 180 votos. O presidente eleito estava gravemente
enfermo, porém, escondeu a doença e tentou retardar sua internação para depois
da posse, temendo que esta não ocorresse. Um dia antes da posse, marcada para
15 de março de 1985, acabou submetido à uma cirurgia de emergência. José Sarney
tomou posse como vice-presidente na manhã do dia 15. Depois de ter sido
submetido a sete cirurgias, Tancredo faleceu na noite de 21 de abril. Na manhã
do dia 22, Sarney foi confirmado na Presidência, depois de muitas negociações
de bastidor entre a oposição e os militares. Na posse, Sarney leu o discurso
que Tancredo havia rascunhado:
“Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade
não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da
conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir
novo e fecundo tempo ao nosso país. A adesão aos princípios que defendemos não
significa, necessariamente, a adesão ao governo que vamos chefiar. Ela se
manifestará também no exercício da oposição. Não chegamos ao poder com o
propósito de submeter a Nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela
reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso
chamamos democracia!”
Reformas
O ministro da Fazenda de Tancredo era seu sobrinho, o ex-secretário da Receita Federal Francisco Dornelles, que foi mantido por Sarney, mas deixou o cargo para ser candidato a deputado federal em 1986. Em vez do ajuste fiscal, da reforma tributária e da desestatização que Tancredo pretendia fazer para combater a inflação, mas provocariam uma recessão, Sarney apostou no sucesso do Plano Cruzado, ao escolher Dílson Funaro para o comando da economia. “Sei que estou colocando a cabeça na guilhotina, mas vou arriscar, porque o povo brasileiro merece que se faça isso”, justificou, lançando o slogan “Tudo pelo social”. A principal medida do pacote econômico, o congelamento de preços por um ano, ganhou apoio imediato da população. Sarney convocou os brasileiros a fiscalizar as metas e os preços dos produtos. O sucesso foi espetacular.
O ministro da Fazenda de Tancredo era seu sobrinho, o ex-secretário da Receita Federal Francisco Dornelles, que foi mantido por Sarney, mas deixou o cargo para ser candidato a deputado federal em 1986. Em vez do ajuste fiscal, da reforma tributária e da desestatização que Tancredo pretendia fazer para combater a inflação, mas provocariam uma recessão, Sarney apostou no sucesso do Plano Cruzado, ao escolher Dílson Funaro para o comando da economia. “Sei que estou colocando a cabeça na guilhotina, mas vou arriscar, porque o povo brasileiro merece que se faça isso”, justificou, lançando o slogan “Tudo pelo social”. A principal medida do pacote econômico, o congelamento de preços por um ano, ganhou apoio imediato da população. Sarney convocou os brasileiros a fiscalizar as metas e os preços dos produtos. O sucesso foi espetacular.
Quando o ano terminou, o Brasil registrava seu menor índice
de indigência e de pobreza e um crescimento do PIB de 7,49%. O nível de
desemprego chegara a 2,16%. Nas eleições, o MDB venceu de ponta a ponta: elegeu
22 dos 23 governadores, 49 senadores e 260 de 487 deputados federais, a ampla
maioria da Constituinte. O plano Cruzado previa reajuste automático dos
salários sempre que a inflação alcançasse 20%. Com a economia muito aquecida,
porém, houve excesso de demanda. Os juros negativos desestimulavam a poupança e
pressionavam o consumo. O congelamento de preços fez a rentabilidade dos
produtores cair para perto de zero e os produtos sumiram do mercado. O governo
não controlava seus gastos, além de perder grandes quantias de reserva
internacional. O plano fracassou enquanto o país discutia sua atual Constituição,
que foi promulgada em 1988.
A agenda liberal foi retomada em 1989, quando o presidente
Collor de Mello foi eleito pelo voto direto, mas seu governo também fracassou,
por erros na condução da economia, falta de articulação política e crise ética
provocada por uso de caixa dois. Agora, o presidente eleito, Jair Bolsonaro,
muito conservador nos costumes, tenta implementar uma radical agenda liberal na
economia, mas ainda não tem uma base parlamentar que a respalde no Congresso.
Por recomendação médica, e não por teimosia, como foi o caso de Tancredo, adia
para depois da posse uma cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia que
utiliza desde quando recebeu a facada em Juiz de Fora (MG), em plena campanha
eleitoral. A operação estava prevista para 12 de dezembro, dois dias após a sua
diplomação. Os médicos do Hospital Albert Einstein constataram “inflamação do
peritônio e processo de aderência entre as alças intestinais” que poderiam
complicar a cirurgia. Como não se lembrar de Tancredo?
Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense
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